Teste: Harley-Davidson LiveWire aposta no futuro
Modelo elétrico da marca americana tem motor de 55 kW (cerca de 74 cv) e faz 100 km/h em 3,8 segundos
Por Aladim Lopes Gonçalves
Por Aladim Lopes Gonçalves
Arthur Caldeira
“Esta é uma ótima motocicleta que, por acaso, é elétrica”. A definição do diretor de design do projeto LiveWire, Kirk Rasmussen, descreve bem a moto elétrica da Harley-Davidson. Leve (208 kg), ágil e com uma aceleração impressionante – de 0 a 100 km/h em menos de quatro segundos – a LiveWire é a primeira moto movida por eletricidade produzida pela fábrica de Milwaukee (EUA), famosa por seus ruidosos motores V2 de grande capacidade cúbica e combustão interna.
Ainda em fase de desenvolvimento, o Projeto LiveWire está percorrendo as concessionárias da Harley-Davidson nos Estados Unidos desde junho para que os atuais (e os futuros) clientes da marca possam experimentar a moto e dar sua opinião. Em breve, será a vez dos motociclistas europeus terem a chance de acelerar essa Harley elétrica e poderem contribuir com o desenvolvimento do modelo, que ainda não tem previsão de chegar ao mercado. Para experimentar a LiveWire, participamos de uma etapa desse tour, realizado na concessionária Petersons, a maior da marca em Miami, no estado da Flórida, sul dos Estados Unidos, no início de dezembro.
Mais que um simples test-ride, o LiveWire procura proporcionar uma experiência completa aos clientes: pode-se conhecer o desenvolvimento da moto desde os primeiros rascunhos, passando pela montagem dos primeiros mock-ups em argila até a fabricação artesanal do quadro em alumínio. Pode-se também acelerar uma LiveWire no jumpstart, onde a moto fica presa em um cavalete, para ter uma ideia do que o motor de 55 kW é capaz.
Duas “voltinhas”
Infelizmente, assim como as outras 5.000 pessoas que já aceleraram a LiveWire, tive a oportunidade de dar apenas uma pequena volta com a primeira Harley elétrica da história. Mas antes de rodar cerca de cinco milhas (oito quilômetros) foi preciso uma preparação. Além da inscrição no test-ride e de autorizar a Harley a utilizar nossa imagem no Projeto (algo comum em testes para a imprensa), tivemos de assistir a um longo vídeo com instruções básicas de como se pilotar uma moto – com dicas do tipo “lembre-se de usar os freios”. Isso porque a aceleração de uma moto elétrica (ao menos que você tenha uma) sempre surpreende. E qualquer pessoa com habilitação para motocicletas pode se candidatar a experimentar o modelo.
O instrutor ainda reforçou que a LiveWire é completamente diferente de outras H-D. “Se você tem uma custom, fique atento à posição das pedaleiras, mais ao centro da moto e não alongadas lá na frente”, disse. E ao montar sobre o primeiro quadro de alumínio fabricado pela Harley, já se nota que as novidades da LiveWire não se limitam ao motor.
A posição de pilotagem remete às nakeds, porém mais curvada. “Nossa ideia foi criar uma café racer pós-moderna”, revela-me Yvon Carvalho, brasileiro que há oito anos trabalha na área de pesquisa e desenvolvimento da Harley-Davidson, onde já foi piloto de testes e hoje é mecânico especial de testes. Por essa inspiração café racer a LiveWire tem somente o banco do piloto.
Painel tablet
Exceto pelos comandos nos punhos, nada na LiveWire lembra outras Harley-Davidson. Basta posicionar o botão corta-corrente na posição “RUN” que o painel acende. Parecido com um tablet com uma tela de 5 polegadas sensível ao toque, o painel mostra os dois modos de pilotagem “Range” (para mais autonomia) e “Power” (para potência total). Optei pelo modo mais agressivo e então a inscrição 111 mph – em referência aos 111 anos da marca – aparece.
Apertei o botão “Start” no punho direito como em todas as Harley, mas desta vez não havia nenhuma vibração, nenhum barulho. Nada. Só o silêncio e o número zero grande no painel e ao lado duas barras – um que indica autonomia e outra, o quanto se está usando do acelerador. Pode-se alternar entre mph e km/h com um simples toque na tela.
Impressões
Girei o acelerador com parcimônia para me acostumar com o torque do propulsor elétrico. Não há embreagem e nem câmbio, apenas uma transmissão primária do motor para o pinhão, e a transmissão final é feita por correia dentada.
Já nos primeiros metros, a LiveWire mostrou-se leve e ágil para ziguezaguear. Joelhos juntos ao falso tanque, pernas flexionadas e um acelerador que comanda tudo. A curva de torque, a aceleração e a velocidade são controladas pelo quanto você gira a manopla direita.
Depois da primeira milha, já mais confiante, decidi “enrolar” o cabo. Impressionante. É a única palavra que descreve o quão rápido a LiveWire pode ir de 0 a 100 km/h. Um verdadeiro soco no estômago.
A indicação do uso do acelerador foi a quase 100% e pude sentir a roda traseira destracionar. “Isso é normal. Se você girar tudo de uma vez, vai sair queimando pneu”, advertiu-me Yvon Carvalho mais tarde.
Mas nesta primeira volta, optei manter velocidades constantes e sentir a dinâmica da moto. Afinal, depois de alguma insistência a H-D permitiu-nos dar outra volta de 5 milhas no trajeto pré-definido por algumas ruas e avenidas de South Miami. Mudanças de direção são rápidas e precisas. As suspensões – garfo invertido, na frente, e balança monoamortecida, atrás – estavam rígidas demais até mesmo para as ruas americanas, mas permitem inúmeros ajustes.
Para parar, bons freios, mas que mal precisam ser usados. Basta tirar a mão do acelerador que a desaceleração do motor quase estanca a LiveWire em poucos metros. Essa desaceleração é inversamente proporcional ao quanto você acelera.
A desaceleração também recarrega a bateria da LiveWire e ajuda a aumentar a autonomia do modelo, que chega ao máximo a 60 milhas (quase 100 km) no modo Power. O tempo para recarga completa é de 3 horas quando a moto for ligada a uma rede elétrica convencional com tensão de 220V. O interessante é que o sistema de recuperação de energia do motor fez com que, embora tivesse rodado 8 km, a autonomia não tinha caído exatos 8 km.
Na segunda volta com a LiveWire, procurei me atentar ao desempenho puro da moto. Com mais confiança, girei o acelerador de uma vez e a traseira saiu derrapando. “Empinar não deve ser difícil?”, pergunto ao piloto de testes da H-D. “Mais fácil do que você imagina”, diz Yvon.
As suspensões foram ajustadas para o meu peso e altura. Seu funcionamento foi bem mais suave e progressivo. Nas curvas, que não foram muitas, a LiveWire também se mostrou obediente e firme em sua trajetória.
Guitarra elétrica
Depois do teste, todos os motociclistas, inclusive os jornalistas, são convidados a responder uma pesquisa para contribuir com o desenvolvimento da LiveWire. Embora já tenham sido fabricadas 39 unidades do modelo, ele ainda é um protótipo para a Harley, mas que certamente deverá chegar ao mercado.
Sua aparência dá impressão de que o modelo esteja perto de sua versão final, porém muito ainda pode ser melhorado. “Esse projeto começou em 2010 e foi lançado publicamente em junho. Desde então, já há diversas melhorias que poderiam ser feitas para aumentar a autonomia, por exemplo, sem mexer na bateria”, confessa Yvon Carvalho.
Depois da experiência, afinal não é todo dia que se guia uma moto, elétrica, e de uma das marcas mais famosas por se manter fiel à tradição, sou obrigado a concordar com Kirk Rasmussen: a LiveWire é uma excelente moto que, por acaso, é elétrica.
O desempenho do seu motor é melhor do que o de muitos modelos Harley em produção – seus 55 kW equivalem a cerca de 74 cavalos de potência. Seu comportamento dinâmico é digno de elogios e deverá agradar até mesmo quem não gosta de motos custom. E seu visual, meio futurista, também dialoga com as jovens gerações de motociclistas.
Mas nem tudo é perfeito. Sente-se falta do som do motor. E o ruído de turbina emitido pela ressonância do motor elétrico dentro da caixa metálica é interessante quando se acelera, porém irritante em velocidades constantes. E seu banco também não é lá dos mais confortáveis, embora sua proposta seja a de ser uma motocicleta urbana.
Sua autonomia ainda é relativamente baixa se pensarmos que as motos Harley convencionais são feitas para viajar. Mas a LiveWire não é uma Harley convencional. Definitivamente. “Está mais para uma guitarra elétrica do que para um carro elétrico”, afirmou Mark Hans-Richer, vice-presidente sênior e chefe de marketing da Harley-Davidson, referindo-se à revolução que a eletricidade levou às cordas do violão.
Talvez a LiveWire não seja assim tão revolucionária em termos de engenharia. Mas do ponto de vista estratégico, uma moto elétrica feita pela centenária marca de Milwaukee mostra que a empresa está de olho no futuro. E nos seus futuros clientes apaixonados.
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