As estradas da América do Sul

Confira o novo texto de Rodrigo Schmiegelow, que fez uma longa viagem de moto pela América do Sul no ano passado

Por Gabriel Carvalho

Texto: Rodrigo Schmiegelow - 'O Mundo em Lanches'

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Foram mais de 14 mil quilômetros nos mais variados cenários em uma viagem de cinco meses pelas estradas da América do Sul. Já pensou no quanto as estradas falam sobre o lugar onde foram construídas?  Em minha viagem de moto pelas estradas da América do Sul isso ficou muito claro. 

Sua forma, composição e até mesmo manutenção são o reflexo da região, tanto geográfica quanto da sociedade local. Bom, mas aqui não estou para filosofar. 

Quem sou eu? 

Sou Rodrigo Schmiegelow e estou contando um pouco da minha experiência viajando por cinco meses, 14 mil quilômetros e mais de 140 cidades pelas Estradas da América do Sul passando pelo Sul do Brasil, Uruguai, Argentina e Chile. 

Como foi o começo dessa jornada? 

Saí de São Paulo, minha cidade natal, querendo estradas alternativas para poder viajar com mais tranquilidade curtindo a paisagem. Mas é difícil sair dessa cidade por uma rota assim, São Paulo é tão grande que qualquer entrada ou saída é movimentada. 

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Em qualquer hora do dia tem carro, caminhão, ônibus, motos. É muita gente o tempo todo. Essas estradas têm no mínimo duas pistas de cada lado, muitas com canteiro central e todas com acostamento. 

E qual foi a alternativa? 

Só fui conseguir do jeito que queria depois de 80km pela Raposo Tavares fazendo um caminho mais longo para chegar no PETAR, meu primeiro destino. 

Estradas da América do Sul: a primeira serra cheia de curvas 

Sem pesquisar muito sobre a rodovia peguei uma serra no meu estilo favorito: muitas curvas e vegetação em um ‘ziguezague’ sem fim. Só fui descobrir que a 373 era famosa para os motociclistas quando cheguei em Apiaí em um café cheio de adesivos de motoclubes. 

Na sequência entrei em uma estrada de chão da Serra que dava acesso ao Petar em péssima conservação, mas muito bonita até mesmo em seus trechos desabados que só passava um carro por vez beirando altos precipícios. 

E toda essa variedade de estradas vieram só no primeiro dia. Imagina o que vem pela frente. 

Depois de mais alguns dias de viagem, desci para o sul do Brasil e por outra teimosia resolvi dar a volta no Lagoa dos Patos para ver se realmente não tinha nenhuma bela praia por lá. 

Já no começo dessa jornada passei por um trecho onde o vento empurrou as dunas de areia para a estrada. Tentando cortar o trânsito titubeei muito, quase caí, passando em um monte de areia. Foi uma adrenalina boa que queria repetir. 

Estradas da América do Sul: as praias que não conheci no Rio Grande do Sul 

Todos os acessos às praias pela longa BR 101 eram com estradas de areia. Timidamente tentava avançar e quase caía só de pensar. Parei em uma cidade um pouco maior para trocar o óleo da moto e o mecânico me deu uma dica: esvazia o pneu traseiro e vai com vontade. 

Foi o que fiz. Na próxima cidade encontrei uma pousada, deixei as bagagens e fui sentido mar. Comecei com medo, titubeando, quase caindo. Até que resolvi esvaziar um pouco o pneu e ir de verdade.  

Avancei bem por um trecho e depois de uma curva perdi a direção da moto e cai. Levantei e continuei por mais um trecho quando em outra curva vi que o caminho era muito longo e resolvi voltar. 

Aproveitei um pouco do sol baixo da região para tirar umas fotos, subi na moto e fui com mais vontade do que na última vez. Avancei bastante, quando quase caia, acelerava e retomava o controle da moto. Até que me empolguei muito e caí de novo, dessa vez entortou o pedal do câmbio então desacelerei e por sorte encontrei um mecânico que morava quase na oficina e me ajudou a desentortar o pedal. 

As longas e retas estradas uruguaias 

Depois disso foram longas e intermináveis retas com fazendas no Uruguai. Tanto beirando o oceano quanto no interior. Parece que o país não tem nenhuma montanha. 

O que chamou mais a atenção foi uma pista de pouso para aviões na própria estrada. Era possível ver as marcações e sinalizações, pena que não vi nenhum avião pousando. 

A Argentina começou como o Uruguai 

Na Argentina comecei nas mesmas planícies com retas e fazendas intermináveis. O lugar mais bonito que passei por lá no começo foi um estilo Pantanal com vegetação baixa e uns lagos pequenos visíveis de cima das pontes. 

Mas por lá a condição da estrada não era tão boa quanto no Uruguai, peguei muito buraco e acostamentos cheios de lama. Até caí em um desses e no meio do nada surgiu um cara para me ajudar a levantar e seguir viagem. 

As surpresas Argentinas 

Depois de rodar alguns dias entrei em outra província, que é como chamam os estados por lá, e aí sim o cenário mudou. Peguei serras maravilhosas com variadas vegetações, desde rasteiras até mais altas passando por regiões com muitas pedras e cachoeiras. 

Subi uma serra de chão em La Falda com curvas em cotovelo íngremes e esburacadas, mas que me levou à uma bela vista em seu topo. Continuei por ela até sair em uma das rodovias mais bonitas que já passei do outro lado da Serra - essa ligava a cidade de Córdoba a San Luiz. 

Estradas da América do Sul: primeira e inesquecível experiência nos Andes 

Já em Mendoza conheci outro viajante de moto e combinamos de explorar os Andes indo até a fronteira com o Chile. 

Caramba! Foi incrível estar no meio dessas montanhas e subir ao topo do Cristo Redentor de Los Andes, um ponto turístico simbólico que fica bem na divisa entre os dois países. Para chegar lá subimos uma estrada de chão em ‘s’ com as curvas mais fechadas que já passei. O topo fica a 3.800 metros do nível do mar com ar rarefeito e muito vento. 

Teimosia novamente 

Seguindo para o Sul da Argentina resolvi pegar a antiga Rota 40. 

Pelo mapa vi que era de Terra, mas com a confiança de quem já estava no terceiro país viajando por terra pensei “o que pode ser tão ruim, já passei por tantas estradas pela América do Sul”. Eu descobri rápido: começou com uma péssima estrada de terra cheia de pedras enormes e foi virando areião conforme mais árido ficava o ambiente.  

Essa foi uma experiência que merece uma publicação exclusiva, já que peguei uma tempestade que me deixou ilhado no vilarejo La Jaula por dias. 

As Rota 40 Argentina no começo da Patagônia 

Ainda indo para o Sul entrei na Patagônia depois de quilômetros e quilômetros em uma região desértica com o sol desgastante e um trecho de mais de 120 km de rípio. 

Mas valeu a pena, quando a Patagônia começa ainda pela Rota 40, dessa vez a nova Rota 40. O cenário fica deslumbrante com vegetação mais alta de pinheiros, montanhas e mais montanhas além do famoso trecho dos sete lagos. 

Uma dica sobre as estradas da América do Sul 

É uma região incrível para uma viagem de moto! Ainda não andei pela Ruta 3, na Argentina, mas os perrengues passados na Ruta 40 valeram muita a pena, então se vai ao Ushuaia, desça ou suba por essa que é uma das mais lindas estradas da América do Sul. 

Agora vamos ao Chile 

Da Argentina para o Chile atravessei o Paso Cardenal Antonio Samoré, entre os dois países passei por uma floresta que parecia um cemitério de árvores, a região cinza com árvores que até hoje não sei se eram daquele jeito ou foram cortadas. 

Foi o dia mais frio de toda a experiência. Saindo de Bariloche estava 11 graus, mas a garoa fina me molhou bastante e na altitude meus braços adormeceram, chegando ao ponto de perder a sensibilidade - quando tirava a mão do guidão não conseguia encontrá-la de volta. 

Um dos primeiros vulcões que já vi 

Já no Chile foi emocionante andar em Puerto Varas avistando um vulcão no horizonte da estrada, o Volcán Osorno. Puerto Montt, há 20 quilômetros de Puerto Varas, foi mais ao sul que cheguei nesta jornada.  

Rotas Alternativas no Chile 

Depois, rumo ao norte do Chile, o desafio foi encontrar rotas alternativas beirando o litoral para evitar a Ruta 5. 

Consegui passar por pequenas serras com trechos de vista deslumbrante do oceano pacífico, por lá passei por pequenos vilarejos muito interessantes e comi muita empanada com frutos do mar. 

Os cachorros do Chile me caçaram muito nessas regiões, chegando a pegar a ponta do meu tênis mesmo com o pé para cima do guidão. Tem muito cachorro em todas as cidades pequenas por onde passei no país.  

De moto no Atacama 

Finalizando com o Atacama. Quando via ou ouvia o pessoal falando de viajar para região achava que era só areia, mas peguei lindas estradas bem conservadas, em um trecho tinha até um caminhão pipa hidratando a rota. Por lá também vi bastante animais silvestres beirando as estradas.  

No Chile o vento me ajudou 

E se na Argentina peguei o vento contra, neste trecho peguei o vento a favor e fez muita diferença em cansaço e economia de combustível. Além do calor, o único problema aqui era a poeira, principalmente em cidades mineradoras, em uma delas a poeira fechava mais o horizonte do que muita neblina por aí. 

Viva a experiência 

Posso falar, descrever, detalhar, mas saber como de fato foi toda essa experiência, como era fazer uma curva e sair em um cenário de tirar o fôlego, passar calor, frio, perrengues, só fazendo mesmo. Vale muito a pena.   

Desta vez falei das Rotas, na próxima publicação falo dos lugares que passei nesta jornada, que é só o começo dos meus planos. 

Já leu os textos anteriores? O primeiro está aqui e o segundo está aqui.


Fonte:
Equipe MOTO.com.br

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