A importância da escolha da moto para uma viagem longa
Confira o segundo texto de Rodrigo Schmiegelow, que fez uma longa viagem de moto pela América do Sul no ano passado
Por Gabriel Carvalho
Por Gabriel Carvalho
A escolha da moto para uma viagem longa não foi uma decisão fácil. É difícil tirar o lado emocional na compra de qualquer veículo. Eu até tentei ser o mais racional possível mas a moto foi me conquistando neste processo todo. Aí, na decisão da compra, já não existe mais nenhuma que possa me fazer mudar a cabeça.
Contei um pouco da experiência da minha viagem de moto pela América do Sul passando pelo Sul do Brasil, Uruguai, Argentina e Chile no meu primeiro texto aqui no MOTO.com.br.
Dessa vez falo sobre a moto, minha companheira inseparável neste percurso. Sem ela não teria nem saído de casa. Ela me aguentou em chuvas, barros e até quando quis brincar na areia sem sucesso.
Estava sempre lá. Só me deixou na mão uma vez quando resolvi subir uma ladeira muito íngreme em Valparaíso.
Na verdade, ela nem teve culpa porque já estava me avisando há um tempo que a corrente poderia estourar. Fui teimoso, mas essa história conto com detalhes em um próximo texto.
Vou contar um pouco mais aqui ao decorrer deste texto.
É importante ressaltar que a escolha da moto para uma viagem longa é uma decisão pessoal, os itens que eu acho importante serem levados em consideração podem não ser os mesmos que o seus, isso vai do seu estilo e objetivos.
Eu me apresentei no texto anterior: meu nome é Rodrigo Schmiegelow, publicitário, fiz uma longa viagem de moto pela América do Sul no último ano passando por mais de 140 cidades em cinco meses e vou contar um pouco desta jornada por aqui.
Parte dessa experiência é para alimentar o meu projeto O Mundo em Lanches, onde vou trazer um pouco do que vivi em lanches deliciosos e ricos em histórias.
Voltando ao tópico deste conteúdo, começo com a carenagem. O primeiro item que levei em consideração na escolha da moto para uma viagem longa foi a carenagem. E por que a carenagem é tão importante?
Tenho carta de moto desde 2017. Neste pequeno período, tive um scooter e uma naked antes de conquistar a moto oficial da viagem. Com o scooter cheguei a pegar estrada uma vez para nunca mais. Fui de São Paulo para Alphaville pela Castello Branco.
O scooter tinha velocidade controlada chegando no máximo a 80km/h. Foram momentos de tensão ficando em um espaço bem no meio das quatro pistas enquanto todo mundo me passava: caminhão, ônibus, Kombi, carros e motos.
A partir dessa experiência achei que ter um motor um pouco melhor já seria o suficiente para mim, então comprei uma naked de um amigo.
Na primeira viagem longa que fiz com essa moto senti o desconforto. A posição de pilotagem era ruim para longas viagens e a cada 80, 100 quilômetros, sentia meu braço dormente e tinha que parar para me esticar.
Além disso, a moto era tão bonita que dava dó de colocar baú traseiro, não colocar esse item fazia o conforto diminuir ainda mais com uma mala amarrada no banco de trás.
Essa naked era excelente para a cidade e curtas viagens, mas não era o suficiente para o meu objetivo.
Pesquisei sobre quais as melhores carenagens para esse tipo de viagem e fiquei entre uma chopper e uma trail.
Na única oportunidade que tive de pilotar uma chopper já vi que não seria esse estilo de moto. Além de não saber quais tipos de solo me esperavam nas estradas por aí, achei ela muito pesada e pouco flexível no teste que fiz em baixa velocidade.
Decidi pela trail mas quase não peguei porque sou baixinho. Tenho 1,65 m e na primeira tentativa, na moto de um colega de trabalho, quase caí sem alcançar o pé no chão.
Depois ainda tentei andar em uma moto de trilha, sorte que meu amigo estava por perto, caso contrário iríamos eu e a moto para o chão.
Continuei a pesquisa e tive sorte que minha viagem coincidiu com o lançamento das trails médias.
Confesso que na primeira vez que vi a Kawasaki Versys-X 300 não gostei muito, mas depois comecei um namoro com a moto. Não pude fazer test ride, mas consegui subir nela e ver que seria viável após me adaptar com a altura e fui gostando cada vez mais, até o momento da compra.
Neste momento entro no custo benefício. E por que o custo benefício é tão importante na escolha da moto para uma viagem longa?
Porque é preciso saber o quanto de dinheiro é preciso para a viagem e ter uma ideia de consumo e manutenção antes de partir é fundamental.
Comparando com as motos mais vendidas, a Versys não é barata, mas assistindo análises e estudando as diferenças com as suas concorrentes diretas e indiretas, entendi seu valor e o custo benefício para o que eu queria.
Consegui vender rápido a naked que peguei para testar em viagens - sem sucesso, pelo conforto que comentei acima. Fiquei apenas seis meses com ela. Consegui dar uma boa entrada e não estender muito em parcelas para a nova moto.
A Kawasaki Versys-X 300 me oferece o conforto do estilo trail com velocidade de cruzeiro mais do que suficiente para o que eu queria.
Como comentei, tive uma scooter que fazia quase 40 km/l, dificilmente qualquer outra moto com um pouco mais de conforto seguraria essa autonomia.
A moto carregada com uma velocidade média de 110 km/h faz uma média de 23 km/l. Curiosidade sobre o consumo: uma vez cheguei a fazer 32 km/l, foi em um dos trechos indo de Mendoza a Bariloche nas longas estradas com poucos postos de gasolina.
Nesse dia eu iria percorrer 380 quilômetros e tinha apenas um posto de gasolina um pouco depois do meio do caminho.
Com tanque de 17 litros e a média de 23 km/l, essa distância é quase o limite dos 390 quilômetros que a moto faz com um tanque, mas como sou um pouco precavido, sempre que podia enchia o tanque para evitar emoções no meio de estradas cercadas por natureza em um país que mal falo a língua.
200 quilômetros depois em um percurso com quase 120 quilômetros de rípio debaixo de um sol de 40º C, cheguei no único posto de gasolina que teria no caminho e estava fechado.
Até hoje não sei se era a famosa siesta (horário de almoço que chega a durar cinco horas, muito comum em algumas províncias da Argentina) ou se o posto estava fechado de vez.
Fiquei por lá um tempão, bati palmas, chamei alguém que pudesse estar nos fundos do local. Chegaram mais três carros de viajantes querendo abastecer, buzinaram, gritaram, e nada. Tive que seguir viagem na tensão de poder ficar parado no meio do caminho.
Reduzi a velocidade de cruzeiro para uns 80 km/h e desci algumas serras na banguela, também tive sorte de ter passado pelo rípio neste dia, o que ajudou a melhorar bastante a autonomia da moto.
No final bati os 32 km/l, que foi o meu recorde viajando.
Antes de comprar a moto eu já sabia que a manutenção não era tão barata. No primeiro ano eu ainda estava trabalhando então fiz todas as revisões na concessionária coincidindo com os 12.000 quilômetros - o limite para a garantia é de 1 ano ou 12 mil quilômetros.
Não lembro ao certo os valores das manutenções, mas os valores variaram entre R$ 295 e R$ 496, exceto pela de 12.000 quilômetros, quando levei em outra concessionária sem ser a de costume e inventaram que tinha que trocar uma vela.
Nunca vou saber se era verdade ou não, tudo o que já li a respeito fala que a troca deste item costuma ser com uns 30.000 quilômetros. Acabei trocando, até porque em menos de um mês começaria a minha viagem.
Sempre vi os viajantes que têm canal no YouTube carregando pneu ou outros itens de manutenção e achava estranho, mas descobri o motivo da pior maneira possível: saindo do meu bolso.
Estava em Chos Malal, uma pequena cidade mineradora no meio do deserto argentino no caminho entre Mendoza e Bariloche, quando outros motociclistas viajantes que conheci no hotel que passei a noite me alertaram sobre o pneu traseiro desgastado.
Rodei mais um quilômetro até Bariloche, maior cidade neste percurso todo, onde resolvi trocar o pneu. Mesmo sendo grande, trata-se de uma cidade turística, distante da capital e de outros centros urbanos, então só encontrei o pneu que eu queria com custo quase três vezes maior do que em outras cidades.
De lá eu seguiria mais para o sul da Argentina ou atravessaria a fronteira para o Chile, ainda estava decidindo. Então resolvi trocar o pneu mesmo mais caro porque para o sul a tendência era só aumentar o preço. Atravessar a fronteira com o pneu desgastado poderia arriscar minha entrada no país.
Com a pastilha de freio eu fiz diferente. Quando me avisaram que estava desgastada, comprei outra e deixei de reserva em Santiago do Chile. Por lá tem uma rua só de peças de moto bem parecida com a General Osório, em São Paulo. No fim ainda nem troquei a pastilha, mas pelo menos paguei barato e já tenho ela em mãos.
Então se souber que vai ter que trocar algum item em breve, aproveite para comprar em cidades grandes menos turísticas, com certeza vai economizar bastante fazendo isso.
Sigo com as minhas considerações da moto na viagem, em um dos últimos itens da decisão:
A moto é muito confortável. A única mudança que fiz foi no assento. O original, para mim, é o maior problema da Kawasaki Versys-X 300. A troca exigiu uma nova adaptação, porque mesmo tirando cinco centímetros de espuma do modelo padrão vendido, a moto ainda ficou mais alta do que o normal.
Mesmo cheia de bagagens e com baú traseiro e lateral, eu sentia pouco as vibrações. Eu gosto de andar no máximo a 110 km/h, assim não aumento o consumo. Vou na minha, tranquilo, de boa, aproveitando a paisagem e isso também ajuda a sentir menos vibração.
Só ficava complicado neste sentido quando tinha muito vento contra, e vento foi o que não faltou desde o sul do Brasil. Também não costumo fazer viagens tão longas em apenas um dia, costumo viajar entre 300 e 600 quilômetros. Dificilmente faço mais do que isso e este é outro fator fundamental para me manter confortável com a moto.
No retorno do Atacama para Santiago (que comentei na primeira publicação), ganhei um suporte de aceleração que foi incrível, nunca imaginei que um negócio de plástico pudesse ajudar tanto no conforto fazendo eu parar menos para me esticar.
Na verdade, a peça se chama apoio de mão para aceleração, que você encontra a partir de R$ 20 e faz muita diferença na estrada.
A confiança como fator decisor na escolha da moto para uma viagem longa. Aqui não tenho nem o que falar. Como minha velocidade de cruzeiro é baixa, sobra resposta da moto para ultrapassagens ou emergências.
Além da minha altura que só tirava a confiança para estacionar, alguns momentos em que peguei o vento forte na Argentina também balancei bastante e a adrenalina subiu.
Dizem que com uma 1000 cc isso não acontece tanto ou que tem que acelerar bastante para controlar melhor a situação, a experiência com a 1000 cc não tive, e com o vento forte contra preferi reduzir a velocidade. Em uma oportunidade, torci o acelerador todo e ela não passava de 100km/h, então reduzi para 80km/h e consegui seguir mais tranquilamente.
Apesar de fugir um pouco do tema da escolha da moto para uma viagem longa, também deve ser levado em consideração neste sentido, até porque são poucos os seguros que cobrem ocorrências em outros países.
Minha experiência foi que o Brasil infelizmente é o país mais perigoso para roubo e furto de veículos, mas isso não significa que os outros não são perigosos.
Em Rosário, na Argentina, fiquei muito tenso porque em todo lugar que parava me falavam: “está de moto? Não deixe na rua de jeito nenhum!”
O policiamento por lá também assustava, era polícia o tempo todo de um lado para o outro em carros grandes quase sempre com sirene ligada e as armas para fora.
As lojas de peças para moto pareciam gaiolas com os atendentes atrás de grades atendendo os consumidores. E essa passagem foi pouco depois de eu ter sido furtado no Uruguai.
Ganhei muita segurança com a tranquilidade por lá. Ganhar segurança demasiada também é um erro grave. Deixei a moto na porta do hostel em Montevidéu por uma semana, encostada no portão.
Na segunda noite em que um holandês chegou de moto (o cara atravessou a moto até os EUA e desceu rodando de lá), furtaram nossos baús levando um dos meus inteiros e arrombando os laterais. Perdi barraca, saco de dormir, barbeador e o próprio baú.
Ah, com isso lembrei de outro ponto questionável da Kawasaki Versys-X 300 Tourer para mim: os baús laterais que vem de fábrica não são bons.
Eles não desencaixam e não cabe quase nada dentro. A chave é a mesma do motor, o que parece uma grande vantagem até ela emperrar e como a chave só entra até a metade, entorta. Sorte que quando isso aconteceu ainda estava em casa.
Então em qualquer lugar que esteja, mantenha-se sempre em alerta e evite deixar coisas de valor no baú da moto.
Minha escolha foi uma moto trail que cabia no meu orçamento, tanto pelo valor quanto em custo de manutenção e no dia a dia.
Mas na experiência que tive eu vi que qualquer moto é valida para fazer uma longa viagem, você só tem que adaptar o estilo da viagem com o modelo que tem e os seus objetivos. Já viram o canal e Instagram Diário de Motochileiro? O cara chegou no Alaska com uma Honda Pop 110i, viajando entre dez e 12 horas por dia.
No caminho, encontrei o holandês que citei há pouco. Ele estava com uma Honda 250 dos anos 1990 e desceu dos EUA ao Ushuaia de boa. Eu consegui ter um pouco mais de conforto com uma 300 cc estilo trail, mas o mais importante de tudo é querer e se organizar para fazer.
Finalizo com mais uma curiosidade: o custo médio do combustível nos países em que passei - o custo por litro é de janeiro a março de 2020, a conversão estou fazendo em 2021 então isso pode levar a alguns sustos, já que o real desvalorizou neste período.
Logo que se entra no Uruguai pelo Chuí são uns bons quilômetros sem postos de gasolina, você até encontra nos vilarejos um pouco mais caro se precisar.
Eu consegui segurar até La Paloma, uma cidade um pouco maior com estrutura mínima: bancos e postos de gasolina.
O preço era de 54,95 pesos uruguaios, isso dá mais ou menos R$ 7,12 por litro
58,42 pesos argentinos por litro, cerca de R$ 3,65 por litro.
Estava em média 860 pesos chilenos (podendo variar de 820 a 890). Isso dá mais ou menos R$ 6 por litro
Por lá, eles têm a gasolina 93, 95 ou premium. Eu costumo usar a 93.
Ainda bem que eu não tinha feito essa conversão antes, caso contrário iria andar ‘na banguela’ o tempo todo no Uruguai e no Chile.
Mas reflete bem o custo dos países, mesmo com as moedas parecendo desvalorizadas, tanto o Uruguai quanto o Chile são países muito caros para viver.
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