Uma viagem pelo norte do Brasil em uma V-Strom 650 - parte final

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Por Gabriel Carvalho

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Ronaldo José

12/12/18 – Manaus/AM x Boa Vista/RR 

O Giuseppe completando a recepção já pelas 6h havia colocado uma mesa com café da manhã de dar inveja a muitos hotéis. Mais um pouco de conversa, arrumei as coisas, despedi-me e logo estava na BR174 para seguir para a tão esperada cidade de Pacaraima/RR na divisa com Venezuela, destino esse como final da minha viagem. Logo saindo de Manaus a rodovia BR174 foi se adentrando na mata e ficando um tanto que deserta. Uma sensação de desafio e receio de estar solitário no meio da floresta amazônica tomou conta, mas o desejo de prosseguir na realização de um sonho sempre é muito maior. 

A meta nesse dia era rodar os 750 quilômetros até Boa Vista/RR, fui percorrendo essa BR e se adaptando a natureza nativa, após uns 130 quilômetros estava atravessando Presidente Figueiredo/AM terra de cachoeiras em meio a floresta, dizem que são espetaculares, mas meu tempo não foi possível para essas paradas. Logo estava na reserva indígena Waimiri Atroari, são 130 quilômetros da BR174 que corta essas terras que fica nos dois estados Amazonas e Roraima, já tinha ido com as informações de que deveria rodar lá entre as 6hs e 18hs, abastecer a moto com frequência antes, porque é autorizado o fechamento da rodovia pelo índios no período noturno, além de não haver nenhum tipo de recurso, somente a pista no meio da floresta, existe também o perigo dos mais diversos animais, por isso já tinha feito minhaprogramação de sair bem cedo para percorrer com tranquilidade essas terras que fica uns 220 quilômetros de Manaus, no trecho indígena também fica a divisa de Amazonas com Roraima, sendo Roraima o último estado que rodei concluindo assim todo o Brasil, emocionado parei à beira da estrada e agradeci à Deus por esse feito. 

Também nessa BR, pouco depois de sair da reserva indígena, se cruza com a Linha do Equador. Novamente pela segunda vez em minha vida tive o prazer em chegar de moto na metade do mundo, lá em Macapá/AP em 2015 e agora na BR174 nessa viagem, e não esquecendo que, ainda teria a uma terceira vez na volta. A rodovia foi ficando bem mais plana, com pista boa com muitas retas, se passe em poucas cidades nesse trajeto, dentre elas Rorainópolis, Caracaraí, Iracema e Mucajaí, já por volta de umas 17h estava chegando para pernoitar em Boa Vista. 

13/12/18 – Boa Vista/RR x Pacaraima/RR (Divisa com a Venezuela) x Caracaraí/RR 

Cedo num posto de abastecimento, tirei mais informações com frentista sobre o percurso à rodar e a cidade de Pacaraima, seriam 420 quilômetros de ida e volta sem abastecimento, nem postos na estrada nem depois na cidade por não haver postos lá, não se poderia também atravessar e abastecer na Venezuela, o jeito foi completar o tanque ao máximo e levar gasolina reserva em duas pet na mochila. A V-Strom sem bagagens até que daria para ir e voltar, mas estava com as malas cheias, muito pesada, fazendo média menor, então foi a solução indicada e que veio a comprovar na volta depois de uns 380 quilômetros, mesmo com as estradas planas e uma velocidade de turismo que estava, houve a necessidade da gasolina reserva. Cheguei ao destino final da viagem, tantos dias depois com longas distâncias percorridas, poeiras, chuvas, tráfego pesado, pequenos imprevistos, algumas estradas ruins, viagem de barco, estava ali, na cidade de Pacaraima. Missão cumprida, uma mistura de satisfação e realização incomparável. Então pude finalmente tirar uma foto com a minha faixa “Aqui é longe Pacaraima”. 

Realmente comprovei o sofrimento daquele povo conforme as matérias que vemos na mídia, está muito difícil tanto para os venezuelanos que atravessam para o Brasil fugindo daquela ditadura, quanto para os brasileiros de Pacaraima que já não tem mais como acomodar tanta gente. A Força Nacional estava lá garantindo a segurança e a ordem e eu estava em numa certa contradição, passeando com certo conforto em meio a um povo com muitas dificuldades.  Entristeceu-me muito, acabei ficando pouco tempo por lá. Não quis arriscar nem atravessar a pé, pegar táxi e conhecer a primeira cidade - Santa Helena, a uns 15 quilômetros - senti que estava muito tenso o lugar, achei melhor somente conhecer a cidade, almoçar e seguir de volta. A mesma pista da BR174 de ida é a de volta, saí de lá muito pensativo e ao mesmo tempo satisfeitíssimo em chegar onde queria já há muito tempo. Rodei de volta os 210 quilômetros até Boa Vista na mesma pegada, velocidade reduzida para render o combustível. Como ainda estava sol, somente entrei na cidade para esticar corrente, um café e abastecimento da moto, continuando mais um pouco para render o dia até a pequena cidade de Caracaraí/RR. 

14/12/18 – Caracaraí/RR x Manaus/AM 

Saí cedo depois de um café no hotel simples que fiquei, continuando pela BR174 e passei novamente a linha do Equador, nas terras indígenas, na divisa com Amazonas e na cidade de Presidente Figueiredo, chegando em Manaus umas 16h e indo direto o porto já achar o navio sentido Santarém/PA para minha volta. Como tinha visto antes que teria um navio na manhã seguinte , era só achar onde comprar a passagem. Deixei a moto em um embarcador e subi à rua onde se tem as barraquinhas que vendem passagens para os mais diversos barcos e navios para muitas regiões, um movimento só, difícil até de procurar, mas de sorte a primeira pessoa com quem falei era um funcionário, o Nazareno, da agência do navio que queria - inclusive já tinha o contato do dono há tempos e confirmei com ele sobre esse funcionário para comprar a passagem de R$ 550 até Santarém/PA. Pronto, passagem comprada lugar garantido para o horário de manhã às 11h30, tudo correndo dentro de minha previsão de volta. Saí da beira do porto para um descanso em um hotel um pouco melhor do que os da região ali, muita muvuca nessa beira de porto, lugar tanto que meio perigoso. Achei fácil no bairro Cachoeirinha um hotel bem próximo da oficina do Zequinha, a quem fui rever mais uma vez. 


Foto: Ronaldo José/Acervo Pessoal

15/12/18 a 16/12/18 – Manaus/AM x Santarém/PA (Navio) 

Cedo amanheceu com chuva, ótimo café no hotel e direto ao porto embarcar a moto, não podia de forma alguma perder esse navio. Moto embarcada com mais algumas ajudas (por R$30,00, é claro), mais R$37,00 de taxa de embarque do porto e assim vai. A saída, prevista para 11h30, atrasaria. O jeito foi conhecer uma feirinha de artesanato em frente ao porto e almoçar em uma das inúmeras barraquinhas de comida que se tem ali. Partimos por volta de 15h00, navio lotado em cargas e passageiros. Esse era dos grandes: São Bartolomeu IV com capacidade para 1.375 passageiros e 10 tripulantes. Saindo de Manaus passei pela segunda vez nessa viagem no encontro das águas rio Negro com rio Solimões, espetáculo que tornei a ver mais uma vez. Fiz novamente algumas amizades, dentre as quais a do comandante Galúcio e do marinheiro Raimundo, responsável por todo o setor de carga de mercadorias. Responsabilidades imensas, exemplos de funcionários. 

Em um trecho do rio Amazonas embarcou uma família que tinha um menino que depois não desgrudou da minha moto. Elismar Emanuel, um menino muito ativo de família humilde, gosta muito de motos pelo que percebi e ficava o tempo todo por perto. Tiramos algumas fotos e acabei fazendo amizade com toda sua família, pena que logo desembarcaram numa outra cidadezinha, mas não antes de eu dar um dinheirinho ao seu pai para comprar um presente de natal. Posteriomente, recebi uma mensagem e fiquei sabendo que o brinquedo dado de presente era uma moto. 

A viagem continuava tranquila e nessa etapa da volta o navio ia atracando em algumas cidades, dentre elas Itacoatiara, Parintins, Juruti e Óbidos, para embarque e desembarque de cargas e passageiros. Na ida, isso era feito com o barco em movimento. Em cada parada no porto os vendedores ambulantes se acotovelam para tentar a venda de comidas, frutas, doces, sorvetes, numa disputa tremenda. Eles têm umas varas com um baldinho fixo na ponta que entregam as mercadorias até último piso do navio se preciso, numa agilidade de dar inveja, além é claro dos que entram no navio e vai vendendo no corpo a corpo mesmo. Cada parada é uma festa vendo aquela movimentação toda. Chegamos domingo já noite, por volta de 21h, achei rápido um bom hotel para descansar, um bom banho quente e uma cama confortável era tudo o que procurava. Viajar nesses rios por lá é muito bacana, mas quem não é acostumado em dormir em rede sente um pouco. Fiz os preparativos para no outro dia começar a enfrentar a volta pelas estradas de terra da transamazônica. 


Foto: Ronaldo José/Acervo Pessoal

17/12/18 – Santarém/PA x Anapú/PA 

Pretendia ficar uns dois dias em Santarém e ir conhecer Alter do Chão, cidade a 38 quilômetros de distância, lugar de praias maravilhosas de água doce no rio Tapajós e considerado por muitos como ‘Caribe brasileiro’. O clima, porém, não me deu muita confiança, e como teria estrada de terras no trajeto resolvi passar logo por elas – em caso de chuva se ficaria intransitável, aí adeus Natal em casa com a família. Refiz meu trajeto por informações mais recentes com pessoas da região: teria muito mais dificuldade, mais carretas e maior distância em estrada ruim de terra por Cuiabá/MT, que era meu traçado, do que sair sentido a Transamazônica para Altamira/PA, Marabá/PA e já sair para Araguaína/TO. Foi assim que fiz, segui esse novo trajeto e ainda melhorou um pouco mais já que cortei caminho em asfalto até a Usina Hidrelétrica de Curuá Una, a 70 quilômetros de Santarém. 

Depois, segui por 140 quilômetros de terra dentro de uma mata fechada, já saindo bem adiante na BR230 em Uruará/PA, diminuindo assim 100 quilômetros de terra se tivesse vindo por Rurópolis/PA. Esse caminho me foi passado por um frentista quando estava abastecendo a moto cedo em Santarém. Finalmente estava rodando na tão famosa BR230 Rod. Transamazônica. Cheguei à pegar alguns trechos de asfalto, mas em sua maioria é de terra mesmo, uma estrada ruim, sem acostamento, dentro de matas, pontes em madeira e sem recursos nenhum, percebi com os próprios olhos o sofrimento daquele povo que necessita da BR. Em dias quentes poeira sem dó e em dias chuvosos deve ser lama pura e estrada intransitável. Por sorte minha e decisão de antecipar minha volta fui pegando só poeira. De Uruará/PA fui passando por Medicilândia/PA, Altamira/PA, e após Belo Monte/PA atravessei de balsa o rio Xingú, rodei mais um pouco e pernoitei em Anapú/PA. Esse dia foi um dos mais desgastantes de toda a viagem: foram só uns 500 quilômetros rodados, trechos muito ruins de estrada em terra, velocidade muito reduzida, trepidação, poeira e muitas carretas, mas com calma já estava por passar toda parte em terra e ficar tranquilo só com asfalto depois. 

18/12/18 – Anapú/PA x Araguaína/TO 

Abasteci cedinho a moto e continuei na BR230 novamente com trecho de terra. Passei pelas cidades de Pacajá/PA, Maracajá/PA e em Novo Repartimento/PA segui sentido Marabá/PA, parando na última para almoçar. Continuei rodando até São Domingos do Araguaia/PA e fui seguindo para atravessar por ponte o rio Araguaia, na divisa de Pará com Tocantins. Mais um pouco de estrada de terra nesse trecho e pronto, dali em diante seria somente asfalto. Terminei o dia com 750 quilômetros rodados chegando em Araguaína/TO. Fui me hospedar no mesmo hotel que tinha ficado em minha viagem de 2015 ao nordeste, foi bacana relembrar onde tinha ficado antes – algo que aconteceria também no dia seguinte, em Porangatu/GO. 

19/12/18 – Araguaína/TO x Porangatu/GO 

Mais tranquilo com somente asfalto, saí sem pressa do hotel que fica as margens da Rod. Transbrasiliana para rodar os 740 quilômetros até Porangatu, já no estado de Goiás. No meio do caminho fiz uma parada em Paraíso do Tocantins/TO para mais uma troca de pastilha traseira do freio, dessa vez já estava com as reservas compradas em Manaus, então foi só achar uma oficina e trocar. Um mecânico, Randy Castro, mesmo em hora de almoço prontamente resolveu isso, aí foi só continuar rodando na BR153 para chegar a Porangatu/GO e me hospedar também no mesmo hotel da viagem anterior. 


Foto: Ronaldo José/Acervo Pessoal

20/12/18 – Porangatu/GO x Frutal/MG 

Saí de Porangatu/GO cedo para o penúltimo dia em viagem e a saudade já começava a bater forte. Na mesma BR passando por perto de Brasília, atravessei Goiânia e tardezinha já cheguei em Frutal/MG para a última noite em viagem. Arrumei um hotel bacana e saí para lanchar em uma pastelaria onde conheci o Sr. Ademir, o proprietário. Um mineiro raiz típico, com todo aquele sotaque de se admirar. Várias conversas e convite para um café na manhã seguinte com sua família na pastelaria, que não recusei e logo cedo passei por lá. 


Foto: Ronaldo José/Acervo Pessoal

21/12/18 – Frutal/MG x Assis/SP 

Último dia de viagem começou bem, dois cafés da manhã, um no hotel e outro na pastelaria do Sr. Ademir. Abasteci a moto e rodas na estrada, saudades vão ficando pelo caminho e começando a vontade de chegar logo em casa para rever minha esposa Sirlene, a família, os cachorros, os amigos, enfim, voltar a vida normal depois de uma viagem maravilhosa. 

Saí de Frutal/MG pela BR153 e uns 50 quilômetros depois já estava passando a divisa, cruzando o rio Grande e entrando no meu querido estado de São Paulo, segui por de São José do Rio Preto. Na ocasião um trecho um tanto difícil, pois estavam reformando todo o contorno, muito trânsito e pouco espaço nos desvios. Depois daquele ponto a viagem correu melhor, logo estava passando José Bonifácio, Lins e Marília - onde parei para um último abastecimento - chegando com todo sucesso por volta de 15h na minha cidade de Assis/SP. 

Num breve relato, em 22 dias rodei por dez estados, sendo quatro inéditos, em torno de 11.000 quilômetros de moto e mais uns 1.800 quilômetros de barco em duas embarcações - ida de Porto Velho/RO x Manaus/AM e volta de Manaus/AM x Santarém/PA - uma troca de óleo e filtro em Porto Velho/RO, duas trocas de pastilhas traseira de freio (uma em Manaus/AM e outra em Paraíso do Tocantins/TO). Por estar com lotação total em malas, a V-Strom 650 fez consumo médio de 18,5km/l, vindo a melhorar um pouco mais já na volta estando pelo estado de Goiás (creio que pela gasolina de melhor qualidade) mas foi um desempenho dentro do esperado. 

Viagem excelente, estradas e paisagens lindas, muitas delas nativas, lugares com pessoas amáveis, gente simples e hospitaleiras. Fiz vários amigos, novamente nenhum imprevisto relevante me ocorreu, dentro da normalidade tive os cuidados necessários com a moto e as mudanças de trajetos pertinentes e conclui esse sonho idealizado. Sei que o nosso Brasil é grande e bonito demais e ainda se tem muitos lugares e estradas a conhecer, mas tive esses privilégios de ir em alguns. “Glórias a Deus, sempre”, agora posso dizer:  

“Rodei de moto em todos os estados brasileiros” 


Fonte:
Equipe MOTO.com.br

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