José Ary
Era o segundo semestre de 2005, quando uma visita ao site do INEMA (
www.inema.com.br) me chamou a atenção. Era um motociclista em viagem solo pelo sul da Argentina, mais propriamente pela Patagônia, com direito a Ushuaia. Certamente foi aquela visita ao site que me inspirou a começar a projetar uma viagem do mesmo porte.
Quando comecei a pesquisar sobre a região patagônica, fui ficando cada vez mais disposto a realizar o que já passei a chamar de sonho. As fotografias eram lindas e aumentaram a minha disposição.
Foram dois anos e meio de pesquisas sobre distâncias entre cidades, consumo e preço de gasolina (nafta), preços de hotéis, alimentação, pneus, kits de transmissão, equipamentos e ferramentas necessárias, a melhor rota a escolher, onde fazer travessias de balsas, tempo de permanência em cada destino, atrativos turísticos a visitar e documentos exigidos pelos países, sem esquecer o mais importante: quanto gastaria.
Já em 2006, cursando faculdade de Turismo, precisei apresentar um trabalho em espanhol, no qual eu vendesse um atrativo turístico de algum país de língua hispânica. Escolhi o Ushuaia, obviamente. Pablo, professor uruguaio, gostou tanto que me empolguei ainda mais.
Voltando ao projeto, considerei a possibilidade de um companheiro para a viagem, assim, convidei um grande amigo, que julguei ser a pessoa ideal, mas, infelizmente, não foi possível para ele, na ocasião.
Como sempre confio a Deus todos os meus projetos e o coloco à frente de tudo, estava confiante de que tudo correria bem, e assim aconteceu. Comecei a ler sobre várias viagens para o Ushuaia, publicadas no INEMA, e a dar mais atenção aos problemas vividos pelos “irmãos”, para, de alguma forma, me prevenir contra eles. Foi ótimo, pois realmente me esquivei de muitos problemas pela experiência de outros.
Foi difícil escolher o trajeto, pois me interessei por conhecer todos os lugares que pesquisei, mas cheguei à conclusão de que não haveria tempo útil para fazê-los, percebendo que a melhor coisa a fazer, dada a distância, seria visitar o Ushuaia e seu entorno, inclusive o Chile.
Como já estava acertado que iria só, minha esposa resolveu me encontrar em alguns lugares, viajando de avião. Escolhemos que seria Montevideo, Buenos Aires, Rio Gallegos, El Calafate e Ushuaia. Foi ótimo, pois para quem estava sozinho encontrar conhecido é sempre bom.
Comecei minha empreitada no dia 14 de janeiro deste ano, às 5h da manhã, indo parar em Aparecida do Norte, em São Paulo. No dia seguinte cortei o trecho até Curitiba PR, onde pousei por dois dias. No quarto dia fui até Porto Alegre (RS), parei para conhecer o já amigo Jerre, que me apresentou a um pessoal bem legal, num bar muito maneiro.
Na sexta-feira, depois de comprar uma almofada de gel, muito útil, peguei estrada em direção à divisa com o Uruguai, parando em Santa Vitória (RS), uma cidade de gente muito tranqüila.
No sábado, segui viagem até o Chuí (RS), mais 20 km. Depois, parei na aduana brasileira para declarar a máquina fotográfica, a fim de evitar que resolvessem me cobrar imposto na volta, fazendo uma parada breve na aduana uruguaia. E pé na estrada, ou melhor, pneu na estrada. Parando na Fortaleza de Santa Tereza, Uruguai, para umas fotos.
Conheci três “irmãos” de Guaíba (RS), que estavam de moto. Lanche (caro) e estrada outra vez até a Ciudad de Rocha, onde se pode trocar dólares por peso no posto BR, dentro da cidade. Estrada de novo, desta vez até Montevideo, chegando às 17h.
Domingo e segunda, fiquei com minha esposa na capital, onde passeamos bastante, visitei o Punta Carretas Shopping e o Mercado Municipal, em frente à estação do Buquebus, aproveitei para trocar a corrente.
Na terça-feira, bem cedo, partimos para Colonia Del Sacramento, também no Uruguai. Minha esposa foi de ônibus. Desta cidade, a travessia para Buenos Aires, Argentina, custa bem menos que em Montevideo.
A colônia é muito simpática com um povo muito hospitaleiro, onde todos respeitam as scooters e quadriciclos, quase sempre guiados por turistas. Tiramos muitas fotos, rimos bastante, encontramos um casal carioca e dirigimos muito um carro de golfe que alugamos, passeio muito interessante.
Às 18 horas, embarcamos no Buquebus rumo à Argentina. Quem for fazer esta viagem de balsa (Buquebus), fique atento, se de moto ou carro, além da passagem do veículo, terá que desembolsar mais US$ 17 (dólares) de taxa de embarque.
Pergunte tudo até dez vezes, se necessário, pois quase tive sérios problemas. Se não fosse uma família argentina que conheci na fila de espera, eu não teria embarcado a moto por falta de um bilhete, que estava com minha esposa, já embarcada.
Depois de tudo resolvido, a viagem foi boa. A balsa, que mais parece um navio, começou a sacudir a ponto da necessidade de amarrar a moto, foi quando senti falta de ter levado duas cintas de prender motos em reboque. Não esqueçam!
Em Buenos Aires, feito os trâmites de entrada, fomos para o hotel e cama, à 1h da madrugada. Dia 23 de janeiro, quarta, fomos andar pela cidade e fazer umas comprinhas, pois ninguém é de ferro, roupas e assessórios de couro são muito baratos, mas tem que procurar.
Fiquei na cidade até o dia 25. Deu pra ver muitas coisas e viajar de trem para La Plata, muito legal. Sexta-feira às 7h da manhã segui viagem, com pernoite previsto para Bahia Blanca.
Foi um dia de coisas engraçadas. Primeiro, errei a saída para pegar a Ruta 3 e fui parar no Aeroporto de Ezeiza. O problema é que existe um pedágio para entrar no estacionamento (fim da estrada), aí o jeito brasileiro funcionou: desci da moto e fui conversar com um fiscal, deu certo e o cara me mandou passar, autorizando o não pagamento.
Voltei 2 km, retornando ao caminho, ou seja, Ruta 3, fui até Cañuelas e Azul, onde o raio furou o pneu dianteiro em frente ao borracheiro. Daqui também se pode continuar na Ruta 3 ou seguir pela Ruta 51, que é mais curta e passam menos caminhões. Ambas terminam em Bahia Blanca, com 670 km.
Hospedei-me numa residência chamada La Pensión, local barato e bom. Dia 26, troquei o azeite (óleo) da moto e segui viagem com chuva, num trecho e um nevoeiro tremendo, com visibilidade de apenas 10m e muito frio. Depois esquentou novamente, começando as retas infindáveis. Dali fui até Viedma, onde geograficamente começa a Patagônia, Província de Rio Negro, onde se situa San Carlos de Bariloche.
O tipo de terreno muda completamente e começa a ficar muito árido, com vegetação de deserto. Aumentam as retas, diminuem as elevações, o que propicia ventos laterais de até 80 km/h, dificultando a pilotagem aprumada.
Neste dia rodei apenas 450 km até Sierra Grande, devido aos fortes ventos. O hotel é simples, mas tudo limpo. Domingo cedo voltei para a estrada, dia tranqüilo, trecho com algumas obras, desvios em rípio (brita), nevoeiro e frio outra vez, mas, pouco movimento.
Almoço em Trelew, ótimo e muito bem servido. Continuei com destino a Comodoro Rivadavia, chegando às 19h. A topografia muda outra vez: agora voltam os morros, mata alta em algumas partes, e curvas que foram hiper bem vindas, já não agüentava mais tantas retas longas, de 30 a 80 km e uma atrás da outra.
Comodoro é linda! Uma cidade próspera, com muitas companhias de petróleo, por isso o custo de vida é alto. Resolvi seguir até Caleta Olívia, a mais 89 km, só conseguindo vaga num hotel sem garagem. A moto dormiu com as bagagens na frente da recepção. Preços altos também, por conta do petróleo. De Comodoro Rivadavia para o sul não incidem impostos sobre o combustível e a gasolina custa $ 1,00 (um peso), em média 60 ou 70 centavos de real. Ótimo!
Segunda-feira, dia 28, fui trocar dólar num banco, roubada para quem está na estrada: demora demais e a burocracia é grande. Como se não bastasse, cobram taxa. Por conta disso, comecei a viajar às 11h. Rumo a Rio Gallegos, 700 km de distância, me informaram que não havia onde abastecer na estrada, então levei 15 litros de reserva. Entretanto, em uma parada chamada La Cabaña, a 120 km, o restaurante vendia gasolina, onde comprei. A poucos quilômetros mais, encontrei um posto, ou seja, mentiram para mim.
Segui mais 230 km até San Julian, onde abasteci. Continuei mais 140 km. Outro posto, novíssimo, o que tornou a gasolina reserva desnecessária neste percurso. Às 21h, cheguei a Rio Gallegos ainda com sol, o que ajudou a aliviar o frio intenso da região sul.
Encontrei minha esposa no hotel e fomos jantar, para alívio do meu traseiro e braços. Dia 29, me permitiram guardar a moto e bagagens no hotel, aí fomos de ônibus para El Calafate, onde fica o Parque Nacional dos Glaciares. Ficamos no Hotel Elan por dois dias, novo e com quartos grandes. A cidade vive do turismo dos glaciares e tem se preparado com empenho para abrigar mais turistas.
Tem boa infra-estrutura, boas empresas de serviços do setor e é linda! Para visitar os cinco glaciares, desembolsa-se US$ 120 por pessoa, optei por visitar somente o Glaciar Perito Moreno, que me custou US$ 80 — eu e a Fátima. Consegui filmar a queda de parte da geleira e tiramos muitas fotos. El Calafate é uma cidade muito aconchegante, tranqüila e acolhedora, aproveitamos e dormimos muito.
Continua amanhã.
O “motonauta” José Ary participou do Moto Repórter, canal de jornalismo participativo do MOTO.com.br. Para mandar sua notícia, clique aqui.
Moto Repórter
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