Bate volta com Ténéré e sem namorada

Amigos viajam de São Paulo à Paraty enfrentando diversidades e testando suas máquinas.

Por André Jordão

Luca Spezia de Oliveira

Eram mais ou menos 9 horas da noite quando tive a idéia de fazer um bate-volta de São Paulo a Paraty.

Levado por um impulso "motoqueirístico", tirei o celular do bolso e liguei para meu amigo Diniz que, como eu, adora motos. Vamos? - perguntei - Demorô!(ele respondeu) Depois só tive que aguentar as conseqüências.

Minha namorada triste comigo por causa desse impulso, que me fez esquecer de perguntar a ela o que achava da viagem, se podia, se não ia ficar brava, se eu iria encontrar a porta de casa aberta na volta.

No dia seguinte, às 6h30 já estava de pé. Arrumei minhas coisas e liguei para o Diniz falando que estava pronto e a caminho do lugar onde havíamos combinado de nos encontrar.

O Diniz tem uma Super-Ténéré 750cc e eu uma Ténéré 600. Chegamos ao local quase ao mesmo tempo. Abastecemos e partimos rumo a Paraty. Mais do que uma viagem, esse passeio foi encarado (pelo menos pra mim) como um teste.

Nossas motos, apesar de terem uma cilindrada parecida, têm comportamentos bem diferentes e, como eu estava pensando em comprar uma moto maior, aproveitei a viagem para botar essas duas a prova e ver realmente o que eu queria.

Minha moto tem 600cc e é monocilíndrica refrigerada a ar. Chegou ao Brasil em 1988 quando ainda estava em fase experimental (era um protótipo com algumas modificações para rodar na cidade, uma réplica como a Aprilia RS 125, ou a Cagiva Mito), competindo no Paris-Dakar.

É como uma XT600 Tunada para enfrentar uma das competições mais duras do mundo. Já a Super-Ténéré é menos off-road e mais estradeira, também conhecida como DUAL-SPORT. Esse termo foi cunhado para descrever motocicletas que podem andar tanto na "sujeira" como em rodovias pavimentadas com conforto.

A BMW abriu caminho nesta área com a introdução da R80G/S (Gelande/Strasse) no qual a expressão DUAL-SPORT derivou. Comparando com carros, a minha moto está para uma Toyota Hilux Diesel enquanto a do Diniz para um Land Rover Freelander.

No “tapete” da Ayrton Senna foi minha vez de sofrer. Minha moto regulada não passou dos 150km/h. Já o Diniz se divertiu acompanhando as esportivas como Hornet, Buell, que passavam zunindo ao nosso lado.

A mim, restou manter a velocidade nos 120km/h, curtir a paisagem e rir da cara do Diniz ao pararmos no meio do caminho para abastecer, devido á média de 10km/l que nosso glorioso amigo conseguiu. Ah, pelo menos acompanhei uma Hornet e cheguei aos 210km/h (foram suas palavras enquanto o frentista ligava a bomba).

Pegamos a Dutra sentido Taubaté e nesse trecho eu acabei assumindo a ponta. Minha moto estava com um escapamento esportivo, o que facilitava nossas ultrapassagens, pois os motoristas nos escutavam de longe e abriam caminho.

Finalmente chegamos ao começo da serra que leva em direção a Cunha. A estrada ainda asfaltada é boa, mas as chamadas "panelas" (buracos causados pelo óleo diesel) começaram a aparecer e a visão do asfalto lisinho da Ayrton Senna foi sumindo em nossas memórias.

Para minha alegria as retas também foram desaparecendo e dando lugar às curvas. Nesse trecho pude saborear o doce sabor da vingança.

A Super Ténéré é mais pesada (e o Diniz leve, pesa cerca de 65 kg) e tem dois cilindros, o que faz com que ela seja uma moto mais "redonda" nas retas, porém nas curvas e trechos sinuosos da serra a explosão mais forte do monocilíndrico somado ao menor peso e a enorme caixa de ar, fez a Super Comer poeira.

Isso sem contar que a Ténéré vem com Suspensão com regulagem a ar SHOWA. Fazer curva com ela é uma delícia. A moto fica sempre na mão e chega ser fácil raspar a pedaleira.

Já a ciclística da Super não é assim tão boa. Comparada com outras motos DUAL-SPORT, como as Cagiva Elefant 750 e a 900 a Super fica bem mal nesse quesito.

A Serra de Cunha é muito legal para passear. Tem paisagens lindas e aquele clima agradável de serra. Durante o caminho é possível parar em vários lugares para tomar um suco de milho ou até mesmo comer em bons restaurantes.

Cachoeiras também fazem parte da paisagem. Dá para passar a Serra com tranquilidade, só é bom ficar atento, pois há trechos onde o asfalto afunila muito, é bom não ousar.

Chegando na parte de terra deu para perceber que a Ténéré estava em casa, enquanto a Super com seu peso todo ficou mais difícil de controlar. Isso sem contar que a todo momento tínhamos que andar "pianinho" para a moto não tombar.

As carenagens e o radiador da Super são MUITO caros. Quando se anda em trechos de barro, terra, areia e pedra solta, é sempre bom ficar em pé na moto. Fica mais fácil de se equilibrar caso a traseira ou a dianteira percam aderência com o solo.

Normalmente isso produz um solavanco que faz com que o condutor escorregue do banco, perdendo o equilíbrio. Estar atento é sempre importante, mesmo quando se está andando devagar. Um tombo bobo pode fazer com que a moto caia em cima de sua perna, podendo ocasionar algum tipo de lesão.

Chegamos novamente à parte asfaltada. A Serra de Cunha tem 45km e passa por dentro do Parque Estadual da Serra do Mar. A maior parte é asfaltada, mas os quase 10 km de terra são os mais legais, e para quem não tem experiência ou vai de carro, também os mais demorados. O conselho é o mesmo que o de antes: cuidado, pois existem curvas bem estreitas.

Chegamos em Paraty e fomos correndo para a cidade almoçar. Comemos um peixe com molho de camarão e tomamos duas cervejas para comemorar a Ida. Pagamos R$ 37,00 por tudo. Existem diversas opções de restaurantes com preços atraentes, muitos deles na Rua da Corrente, que fica logo no começo do Centro histórico.

Depois de fazer a digestão e metabolizar o álcool, resolvemos fazer uma trilha leve até a Cachoeira da Pedra Branca. Grande erro! Calculamos que demoraríamos no máximo uma hora.

Uns dois km depois de sairmos da estrada principal e pegarmos uma estrada de terra batida meu pneu furou. Cadê as ferramentas? Você não tem ferramenta? Não, caros leitores. Nós realmente havíamos esquecido desse pequeno detalhe.

Pequeno detalhe que nos custou 3 horas entre idas e vindas de uma borracharia pedindo ferramentas emprestadas, até finalmente trocar o pneu, que furou devido a um prego gigante.

Como não queríamos pegar estrada à noite, e estávamos cansados, resolvemos passar a noite na cidade e partir no dia seguinte. Ficamos no barco de um amigo meu. Após uma noite de sono embalada pelo mar, acordamos, esquentamos nosso café da manhã e resolvemos, antes de ir embora, pegar aquela mesma estradinha onde meu pneu havia furado.

O caminho passa por uma fazenda que produz cachaça, a Fazenda Muricana. Pena que estávamos de saída e íamos pegar estrada (além de nossas namoradas estarem furiosas, pois a alforria já havia vencido e justamente num sábado à noite), se não pararíamos para degustar os diferentes tipos de água que passarinho não bebe.

Continuamos subindo a serra de terra batida, que ia ficando mais "rústica". Na noite anterior havia chovido um pouco, o que fez com que algumas poças de lama se formassem.

Novamente a Ténéré se mostrou mais robusta, encarando os pedregulhos e as poças de lama facilmente. Para mim, a trilha estava um passeio. Já para o Diniz, estava se tornando uma tortura.

Até que uma hora, em uma poça de barro mais funda, olho pelo retrovisor e vejo a super sumindo de cima para baixo. Olhei pra trás e vi o Diniz ao mesmo tempo bravo, decepcionado, triste, p&^% da vida e desconsolado, olhando para a Súper ainda ligada repousando de lado em uma poça de lama.

Analisamos a moto e visualmente nada havia se quebrado. O Diniz montou nela, fez sinal que estava tudo ok e seguimos morro acima. Conforme íamos subindo, as pedras ficarão maiores, a estrada mais íngrime, e fechada. Olhei para trás e não vi mais o Diniz.
Pensei que ele havia caído e voltei correndo (a descida é sempre pior). Eu o encontrei parado em cima da moto com motor desligado. Eu não vou subir. Minha moto não foi feita para isso.

Resolvemos descer o morro e rumar a São Paulo, pois nossas namoradas estavam à nossa espera com a boca espumando. Na volta pegamos muita neblina e barro, mas como era subida, ficou mais fácil para a Súper e a Ténéré se mostrou valente em todos os momentos.

A entrega de potência do motor em todos os giros e a altura elevada fazem da Ténéré 600 um trator que encara qualquer terreno, enquanto a Super Ténéré pena um pouco mais em terrenos acidentados e pede mudanças de marcha mais constantes, mas com cuidado, encara uma trilha leve.

No meio do caminho paramos no "Ponto de Apoio". Um verdadeiro ponto de apoio com café quentinho e uns doces típicos da região que dão energia para seguir viagem.

Aproveitamos e batemos um papo com os moradores da região, que vivem isolados, sem luz e água encanada, e convivem diariamente com onças, macacos e outros bichos da Mata Atlântica.

Infelizmente, fomos informados pelos donos, que no final de julho vai começar um trabalho de asfaltagem da estrada real. É uma pena a mentalidade do homem hoje em dia. Ao invés de deixar o local isolado procura somente o benefício próprio, o progresso (lógico um caminho rápido para o paulistano descer para a praia), e mais votos.

No caminho de volta o inimaginável ocorreu. Meu pneu furou pela segunda vez. Dessa vez foi na estrada pavimentada, porém a cidade mais próxima era Cunha e estava a 10km de distância.

Nossa sorte foi que o pneu furou em frente a uma fazenda onde o caseiro foi muito legal conosco e nos emprestou suas ferramentas. Nosso azar foi que Cunha pára aos domingos. Ficamos durante uma hora procurando borracheiros nas ruas de cunha e inclusive fomos à casa de dois. Porém ambos não estavam em casa.

Conseguimos consertar o pneu graças a um pessoal bacana de um posto BR que abriu a borracharia e nos permitiu trocar a câmara com as ferramentas de lá.

Finalmente parecia que mais nada podia dar errado. E não deu. A não ser um pedágio que acabamos furando por não saber que moto devia pagar. Fomos informados por um funcionário da dersa que saiu correndo atrás de nós berrando (ainda bem que eu o vi pelo retrovisor e parei. Multa por evasão de pedágio é GRAVÍSSIMA).

A viagem foi tranquila na volta e eu inclusive voltei dirigindo a Super que se mostrou muito melhor que a Ténéré 600 na estrada. Tem uma tocada muito mais suave e vibra menos.

As considerações que eu faço sobre a viagem: Um passeio bacana para fazer em um final de semana. Vale bem a pena. A paisagem é linda e não é tão caro.

Considerações sobre as motos: A Super-Ténéré é um motão! Tem um motor de 750cc capaz de rodar a 180km/h com tranquilidade e conforto. A iluminação dela a noite mata a pau a da Ténéré. Entretanto não é uma moto muito indicada para rodar na cidade e na terra, pois é muito pesada e gasta bastante também.

Já a Ténéré não passa dos 150km/h, porém você pode ir para onde quiser com a moto, tem uma manutenção simples, é robusta e muito divertida de andar. Realmente parece um trator que sobe paredes. O ideal seria ter as duas.

A Ténéré pra andar na cidade e fazer uns passeios mais radicais, sem rumo e de preferência com muitas curvas, e a Super para das umas voltas com a patroa no final de semana, fazer umas viagens menos radicais e mais programadas.

Posso estar sendo um pouco corujão com a minha moto. Mas pela versatilidade, simplicidade, eu fico com a lenda Ténéré 600cc.

O “motonauta” Luca Spezia de Oliveira participou do Moto Repórter, canal de jornalismo participativo do MOTO.com.br. Para mandar sua notícia, clique aqui.


Fonte:
Moto Repórter

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