Personalidades do motociclismo

Confira a entrevista exclusiva com o número 1 do Trial brasileiro, Valter Fernandes.

Por Leandro Alvares

O MOTO.com.br inicia nesta semana a série “Personalidades do Motociclismo”, um espaço de entrevista com os nomes que, de alguma forma, contribuem para o desenvolvimento da prática das duas rodas no país, seja no campo do lazer ou do esporte.

A primeira conversa aconteceu com o melhor piloto de Trial brasileiro na atualidade, Valter Fernandes. Bicampeão Indoor e campeão Outdoor, o paulista de 24 anos recebeu o “Canal da Moto” em um evento da Gas Gas, realizado em Itupeva (SP), onde falou do início da carreira, da modalidade em que se especializou, das metas para os próximos anos e sobre muitos outros assuntos.

MOTO.com.br: Quando foi a primeira vez que você teve contato com o Trial?

Valter Fernandes: Eu vi uma matéria no Esporte Espetacular com um piloto que hoje é um conhecido meu, o Cristiano Martins, e fiquei encantado com as manobras que eram possíveis de fazer com a bicicleta de Bike Trial. Aí eu procurei me informar, até que com muito sacrifício consegui montar uma bicicleta, bastante simples é verdade. Mas foi com ela que eu comecei a treinar. Dali em diante eu fui me aperfeiçoando, busquei melhorias para o equipamento e passei a treinar diariamente. E treinava muito, muito mesmo. Eu ia para a escola de bicicleta, para você ter uma idéia, e no intervalo eu ficava fazendo algumas manobras.

M: Em que ano isso aconteceu?

VF: Eu comecei no Bike Trial com 16 anos, portanto em 1998. Naquela época eu fui para Goiás, onde passei dois meses com dois dos melhores pilotos do mundo. Nesse período eu também disputei muitas competições e, como é de praxe neste esporte, mergulhei num mar de treinamento. O Trial é um esporte que exige muito treino. Para se chegar a um nível profissional, tem que se treinar muito.

M: Como é o seu dia-a-dia então?

VF: Na segunda-feira eu descanso. Depois, na terça, faço preparo físico na parte da manhã e treino com moto no período da tarde. Na quarta o trabalho é só com a moto, enquanto na quinta eu alterno moto e preparo físico. Por fim, na sexta, no sábado e no domingo eu volto a ficar o dia inteiro com a moto. Agora nós diminuímos o ritmo porque acabaram as provas, mas no ano que vem voltaremos à rotina.

M: E você costuma treinar onde?

VF: Em Itapecerica da Serra, no sítio do André Arno, que é um amigo meu e grande incentivador do esporte. Ele tem uma pedreira no quintal da casa dele (risos), e há um quarto lá para mim. Às vezes eu fico uma semana, quatro dias, só treinando. Minha casa, porém, fica na cidade de São Paulo, no bairro do Jabaquara.

M: Antes conhecer o Trial, o que você fazia?

VF: Eu estudava e trabalhava com o meu pai na firma dele de terra planagem. De esporte eu praticava vôlei; até queria montar uma equipe profissional com os meus amigos. Aliás, tudo o que eu fazia eu queria levar para o lado profissional. Só não fui assim com o futebol, porque eu nunca gostei desse esporte.

M: Seus pais, como foi a reação deles quando você tomou gostou pelo Trial?

VF: No começo eles não acreditaram muito que eu fosse seguir carreira esportiva porque ninguém na família havia feito algo parecido. Mas eu comecei a treinar, e eles perceberam que eu tinha muita vontade. Tanto meu pai quanto minha mãe me apóiam bastante e aceitam a opção que fiz para a minha vida.

M: Quando houve a transição do Bike Trial para as motos?

VF:  Em 2004, nos Jogos Radicais de Verão. Lá o Fredy (Tejada, diretor da Gas Gas do Brasil) levou uma moto para expor e me convidou para andar. Eu demonstrei interesse, porque a moto é uma evolução da bicicleta. Aceitei a proposta, passei a me dedicar na modalidade e, junto com a Gas Gas, alcancei importantes títulos.

M: Neste ano você realizou as suas primeiras competições internacionais. Como foi essa experiência?

VF: Muito boa. Qualquer piloto, de qualquer modalidade, que queira evoluir precisa sair do país de origem e competir fora. Isso porque a organização dos eventos é muito diferente daquela a qual você está acostumado, o nível de competitividade idem, o clima...então é uma experiência extremamente necessária.

Para mim essa experiência foi super importante, eu fiquei realizado. Posso dizer que eu estou no mesmo nível dos melhores pilotos da América Latina. Em termos mundiais, ainda há muito a ser feito para chegar ao patamar dos competidores “top”. Isso exige muito investimento e grana para viajar e participar de todas as provas.

M: Nas provas o que conta mais: o equipamento ou a habilidade sobre a moto?

VF: No Trial, o mais importante é a técnica do piloto, porque um cara bom como o Adam Raga, o atual campeão Mundial de Indoor e Outdoor, consegue fazer absurdos mesmo numa moto velha. Mas é claro que para se pensar numa carreira bem sucedida, o melhor é dispor de uma motocicleta de primeira linha.

M: E o que conta mais na moto? A potência, o acerto...

VF: É o conjunto embreagem, motor, suspensão e postura do piloto. Tudo acontece sincronizado; há o tempo certo de apertar a suspensão, de soltar a embreagem, de acelerar...tudo isso conta e só acontece com a participação do piloto. A moto, na verdade, torna-se uma extensão do corpo do competidor.

M: Em 2006, o Brasil recebeu em uma etapa do Campeonato Mundial de Trial Indoor. Há possibilidade do país fazer parte do calendário no ano que vem?

VF: Creio que não, infelizmente. Eu baixei a relação de provas pela Internet  e o Brasil não apareceu na lista. Em Buenos Aires, na Argentina, é certeza que haverá uma etapa, e eu quero ao menos ir para assistir. Eu gostaria de participar dessa etapa, mas acho muito improvável, pois há uma série de exigências por parte dos organizadores, como estar entre os sete melhores do Outdoor Mundial.

M: Você almeja disputar uma temporada do Campeonato Mundial?

VF: Sonho em disputar algumas etapas. O campeonato inteiro é muito difícil, porque necessita de um investimento muito alto. Para você ter uma idéia, somente o mochileiro, que é o orientador do piloto ao longo das seções de obstáculo, custa para a equipe cerca de 50 mil euros por anos. Fora isso é preciso ter a moto, dinheiro para hotel, alimentação....é bem caro.

M: Sobre o Trial no Brasil. Para você, o que falta ao brasileiro para se identificar mais com este esporte?

VF: Não temos essa cultura, simplesmente isso.

M: Muitas pessoas confundem Trial com Trail. Qual é a diferença?

VF: O trail é como se fosse uma trilha, andar pela mata. O Trial é superar obstáculos, seja natural ou artificial, sem colocar os pés no chão.

M: O ano de 2006 foi o melhor da sua carreira?

VF: Com certeza. Foi o ano em que eu disputei provas fora do Brasil, estreitei laços com o melhor piloto do mundo na atualidade, o Adam Raga, e também com o Toni Bou...saí para a balada com eles, faturei os títulos nacionais do indoor e outdoor...sem dúvida, o melhor ano.

M: Você acredita que o Brasil possa se tornar, um dia, referência no Trial?

VF: O Brasil tem potencial para formar um piloto de nível mundial muito rápido, porque o brasileiro tem muita raça. Mas o país não possui pela falta de investimento, de incentivo, de equipamento...Eu quero muito que novos jovens se interessem pela modalidade. Meu sobrinho inclusive já recebe todo o meu apoio, apesar dele ainda andar de velotrol (risos). Ele tem apenas três anos, mas é desde de pequeno que devemos incentivar a meninada.

M: Como vai ser o seu ano de 2007?

VF:  Ainda não tenho nada confirmado. Ainda precisamos sentar para fazer o balanço de 2006 e traçar as metas para o novo ano. Mas a tendência é que eu dispute novamente os Brasileiros de Trial Indoor e Outdoor e tente disputar alguma competição fora do país.

M: E como é para você ser o número 1 do país neste esporte?

VF: Eu fico contente, mas eu queria mesmo é ser o número 1 do mundo. Quer dizer, isso seria bem difícil, então estar ao menos no nível do Adam Raga já me deixaria muito satisfeito. Com a devida estrutura e apoio, eu conseguiria brigar de igual com ele em cerca de dois anos.

M: No Brasil, quantas pessoas costumam participar das competições de Trial?

VF: Acredito que umas 30 praticam. Mas que estão mesmo nos torneios, umas 20.

M: Além do Trial, você aprecia outras modalidades?

VF: Sim, gosto de várias categorias do off-road. No motocross, por exemplo, eu sou fã do James Stewart, que compete nos EUA. Ele anda muito, é ousado e abusado. Prefiro ele ao Ricky Carmichael por considerá-lo mais agressivo.

M: Se o Trial não tivesse surgido em sua vida, o que você pensaria em fazer?

VF: Eu queria, na verdade, ser piloto de caça. Foi o primeiro sonho que tive.

M: Aproveitando a época do Natal, revele-nos o seu pedido para o Papai Noel:

VF: Eu pediria a ele que o Trial se desenvolvesse no Brasil. Gostaria que o brasileiro tomasse consciência de que isso é um esporte de alto rendimento e não uma brincadeira.

Fonte:
Equipe MOTO.com.br

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