Na Estrada: Breves memórias de um ajudante de cargas

Companheirismo, perrengues e solidariedade pelo caminho

Por Alexandre Ciszewski

Enquanto a maioria da molecada esperava ansiosamente as férias escolares para tocar o terror, eu aguardava esse período para trabalhar. Minha mãe arrumava a minha trouxinha, meu pai me levava até um posto de combustível na Castello Branco e lá eu encontrava o meu tio caminhoneiro, que me dava carona pelas estradas do Brasil afora. 

Meu trabalho consistia basicamente em: 

  1. Servir água e café pro tio;
  2. Separar dinheiro dos pedágios (que na época não eram muitos);
  3. Ajudar a amarrar a mercadoria na caçamba. 

Digo trabalho, mas para mim aquilo era diversão. Foi nessa época que tomei gosto pelas estradas. A gente viajava sem pressa nenhuma. Não porque meu tio gostasse de dirigir devagar, e sim porque o caminhão era um Mercedes-Benz modelo MB 1113 e as cargas de madeira que ele transportava eram bem pesadas, acredito até que muito acima do permitido. Hoje não. Hoje os caminhões andam mais que a minha moto. 

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Conheci uma boa parte do país assim. Eram viagens longas, retas intermináveis, cidades distantes e lugares inóspitos, mas as belíssimas paisagens compensavam todo o cansaço e os dias longe da família. Aprendi o que é ter saudade, a trabalhar duro, ganhar pouco e gastar muito para rodar por aí. 

Eu ficava admirado com o companheirismo e a união dos caminhoneiros, com a sua solidariedade para ajudar quem quer que fosse, me divertia com as piadas sujas, conhecia um vocabulário todo novo e gambiarras mil. 

Por isso estou ao lado deles na greve contra o preço abusivo do diesel. 

São muitas as causas do caos, muitos os interesses (de ambos os lados) e muitos os transtornos, desde a escolha equivocada do governo de décadas atrás em priorizar o transporte rodoviário em vez do ferroviário e marítimo até à falência do caro e ineficiente Governo, sem esquecer, é claro, da boa e velha corrupção. 

Na semana anterior à da greve dos caminhoneiros, saiu a notícia de que mais estradas em São Paulo começaram a cobrar pedágio para motocicletas, que não são responsáveis pelos danos no asfalto. Isso sem falar no perigo de as motos dividirem o mesmo espaço com os carros nas cabines. 

Infelizmente, os motociclistas ainda não têm a mesma força nem união dos caminhoneiros. 

De vez em quando, o máximo que fazemos é compartilhar a nossa revolta pelas redes sociais, junto com métodos para atrasar a cobrança na cabine, a saber: desligar a moto, descer (cuidado com o óleo no chão!), tirar as luvas, abrir o alforje, tirar o dinheiro (nada de trocado!), pegar o recibo, conferir e guardar o troco, colocar as luvas, subir na moto, ligá-la e só então seguir viagem. Tudo para causar e chamar a atenção para os nossos problemas. 

Os caminhoneiros estão em seu direito e lutam por melhores condições de trabalho, enquanto nós, na maioria das vezes, estamos a lazer, passeando no fim de semana com nossas motos caras e barulhentas. Mas cada um protesta como pode. 

Meu tio já se aposentou. Os muitos anos atrás do volante do velho MB 1113 judiaram do seu corpo, do seu casamento e da sua saúde. Faz tempo que não o vejo e sinto saudade das nossas viagens e de tudo o que aprendi nessas jornadas. 

Talvez esta seja uma boa oportunidade para subir na moto e fazer uma visita para o velho, assim que tiver gasolina para encher o tanque.

Tiago Feliziani nasceu em 1981 na cidade de Sorocaba-SP. Já foi ajudante de caminhão e hoje é publicitário, redator, escritor e motociclista.

 

 

 

 

 

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Fotos: Arquivo Pessoal


Fonte:
Equipe MOTO.com.br

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