Quando Reinaldo Baptistucci estreou a “coluna das estradas” no MOTO.com.br, em agosto do ano passado, ele estava curtindo os primeiros meses com a sua nova gata motorizada, uma Harley-Davidson Sportster 883.
Sete meses depois, o apaixonado por motos resolveu escrever sobre a máquina de duas rodas, com a qual já ultrapassou a barreira dos 20 mil km entre viagens e aventuras.
Confira:
Julho de 2006, três horas da tarde, meu celular toca. Era o pessoal da concessionária Harley-Davidson, localizada na avenida Juscelino Kubitscheck, avisando que a moto já estava pronta, à minha disposição, e que eu poderia passar por lá para retirá-la. Na hora pedi a confirmação da cor:
- Ela é preta?
- Sim, responderam.
- Está bem. Passo amanhã para pegá-la. Finalmente uma moto nova e zerada na minha mão; pensei.
Vinte e cinco dias antes, voltando de uma viagem com a minha "Suzy" (Suzuki) DR 650, vim na estrada fazendo um monte de contas: seria possível trocar de moto e, com o dinheiro economizado, comprar uma com cardã que coubesse no meu bolso?
No retão da Rodovia dos Bandeirantes, rodei pra São Paulo pensando em algumas marcas. Uma BMW GS ou K 1100 RS; no caso das japonesas, poderia ser a Suzy LC 1500 ou VMAX 1200; das italianas, Guzzi Califórnia ou mesmo uma Quota. Seria muito bom me livrar da corrente, pois já estava cansado de ficar ajoelhado na beira da estrada para lubrificar a relação.
Nesse dia, cheguei à minha casa e fiz a lista das preferidas. Aproveitei e entrei no site do “MOTO.com.br” para uma pesquisa mais detalhada. O numero de ofertas era enorme e eu fiquei animado. Dia seguinte, com a DR 650 imunda, saí para ver as motos que havia escolhido.
A grande maioria estava em perfeito estado de conservação e quase todas da década de 1990, com aproximados 12 anos de uso e preços lá na estratosfera. A minha lista que era enorme foi sendo aos pouco reduzida. Com uma caneta vermelha fui eliminando uma a uma, até ficar balançado por só duas opções: uma VMAX 95 ou uma Guzzi 1999, ao preço de 28 mil reais nos dois casos. Foi o que sobrou.
O tempo passou e eu resolvi pesquisar as outras opções, desta vez motos 0 km com cardã. Decidi dar uma espiada na Drag Star 650 e na Shadow 750 em suas respectivas autorizadas, Yamaha e Honda.
No fim, optei pela segunda alternativa, seria uma 750. Mas o que eu não poderia imaginar aconteceu: a Honda não pegava a minha Suzy na troca. Por isso, voltei para casa com a minha lista inicial toda rabiscada.
A DR 800
“Acho que vou comprar uma HD”, comentei com um amigo, ferrenho apaixonado por Suzuki. Ele na hora deu um pulo e esbravejou:
“Reinaldo, não faça isso, ela não vai agüentar o seu tranco. Do jeito que você roda e os lugares por onde passa, essa moto vai acabar te deixando na mão. Além disso, leve em consideração que o senhor não tem carro”.
Logo na seqüência, ele deu o veredicto. “Compre a já bem conhecida DR 800, dê um tapa de elegância e estará muito bem servido”.
Confesso que fiquei balançado no início, pois havia rodado com uma DR 800 por longos 200 mil km sem um problema sequer e, sem dúvida, os valores envolvidos na compra e eventual revisão estariam dentro do meu curto orçamento.
O mito
Voltei para casa mais uma vez pensativo e, quase desistindo, dei mais uma chance a mim mesmo. “Vou à autorizada Harley-Davidson para ver o que acontece por lá. De repente eu saio com um mito em baixo das minhas pernas”.
Nunca fui apaixonado por HD’s, mas eu já sabia que uma Harley 0 km estava sendo comercializada por 28.900 reais. Esse era um item que deveria ser colocado na balança na hora da compra. Além disso, segundo informações, a HD 883 era competente e extremamente confiável e esse detalhe também era um fator importante.
Tudo foi muito rápido, a minha Suzy ficou na JK e eu peguei um ônibus para voltar para casa. A cor escolhida foi a preta e a moto seria uma 883 Sportster. O tempo de espera, uma semana.
Nesse período, aproveitei para andar a pé e pesquisar no mercado quais os eventuais acessórios que eu poderia instalar na minha nova gata, entre eles um syssi bar e um par de alforjes. Não iria, de maneira alguma, customizar e muito menos trocar os escapes. Ela seria totalmente original.
Enfim, a minha 883
A semana passou voando e não deu tempo sequer de ficar ansioso. Foi quando em um belo e chuvoso dia me ligaram: “Reinaldo, a sua 883 está aqui esperando você. Parabéns, você agora é proprietário de uma HD”.
Fui então no dia seguinte buscar a “cromada e negra moto”. Saí da concessionária e fui tentando me entender com ela. A posição de pilotagem era estranha, com as pedaleiras recuadas e o guidão lá na frente, os espelhinhos retraídos dificultavam a minha visão traseira, a embreagem macia me deixou preocupado, pois todos comentavam da dureza da mesma.
Mas logo de cara deu para perceber que sobrava potência e torque e não dava para escutar nada lá em baixo, ou seja, a correia dentada era silenciosa. As curvas chegavam e com um simples toque passavam sem problemas. Somente os freios eram preocupantes; além de um barulho estranho, não eram lá tão eficientes.
Mapa na mão, fim de semana chegando, vou viajar com ela! Comprei uma calculadora e instalei no guidão, pois com dez litros úteis eu não queria e nem poderia ficar sem combustível na estrada. Fui para a divisa do Rio de Janeiro e de lá, por uma estrada alternativa, passei por Aparecida do Norte.
No caminho cheguei a uma triste conclusão: ela não podia ver buracos. Com uma suspensão extremamente dura na traseira e uma dianteira com curso reduzido, exigia de mim toda a atenção. Mas em compensação, no retão da Dutra, ela mostrava que era corajosa e não dava a mínima para o vento lateral. Firme e colada no chão, seguindo sem balançar na trajetória. Adorei.
Em menos de duas semanas, eu já tinha rodado 1658 km e fui no Marcelo (Steel Dreams) trocar o óleo. Passei também na Chrome Eagle e coloquei um prolongador no guidão. Na Blend, instalei o necessário syssi bar com churrasqueira. Era o que faltava para a minha próxima viagem, que me deixou de queixo caído.
Ilustre desconhecida
- Boa tarde, enche o tanque.
Pensativo e com a calculadora presa ao guidão, fiz a conta Km/L e veio a resposta digital: 23.56, número bom demais para uma tocada a 95 km/h em rodovia de mão simples cheia de curvas e caminhões. Conclui que se continuasse assim, daria para rodar 180 km sem me preocupar.
Divagações à parte em minha espera para o abastecimento, eis que chega alguém e fala:
- Gostei muito da sua Shadow. Mas diga lá, deu muito trabalho realizar esse monte de transformações? Quanto você gastou na compra dos amortecedores traseiros da CB 500? E essa polia aí atrás, por acaso é de alguma máquina industrial?
As perguntas não paravam
- Esse tanque é da ML?...
No posto seguinte, outra figura arrisca:
- Linda a sua Marauder modificada. Confesso que não sabia que dava para fazer tantas alterações. Olha, o senhor está de parabéns! Ficou ótima, só achei que não ficaram muito boas essas rodas da CBX 750.
Nessa semana de viagem, rodei 3358 km percorrendo 35 cidades do Estado de São Paulo e tive que escutar altos absurdos sobre a minha moto diferente e de gosto duvidoso. Mas o campeão de todos os comentários partiu de três rapazes, quando eu já me aproximava de Três Lagoas:
- Sua moto está linda! Esses dois pistões de Fusca deixaram a máquina com uma aparência radical, mas só não dá para entender como eles couberam num quadro de CB 400. Deve ter dado um trabalhão.
- Conta pra gente, tem algum mistério nesse farol? Você por acaso comprou em desmanche de Tratores? E essas pedaleiras, são de Kawasaki? Os piscas com certeza são de alguma Honda miúda!
Na volta para São Paulo cheguei a uma conclusão: estava montado em uma “Ilustre Desconhecida”, afinal não dava outra. Em qualquer lugar que eu parasse vinha alguém querer saber como eu tinha conseguido alterar tanto uma moto japonesa, e quando eu comentava que ela era uma Harley-Davidson original poucos acreditavam, independente do brasão estampado no tanque de combustível.
A chegada aos 12 mil km
Em quatro meses rodei 12 mil km com a minha “moto estranha”. Para comemorar o marco, fui para o sul e depois para o nordeste, completando em seis meses 20 mil km rodados. Por incrível que pareça, sem uma ferramenta sequer, pois no caso da HD esse item não faz parte do pacote do feliz proprietário
Um detalhe que para muitos pode passar despercebido, mas de grande valor para mim, são os pneus Dunlop que equipam essa gata. Olhando para eles você jura que ainda não passaram dos mil km. Estão inteiros e com uma aderência fora do comum, tanto na terra como no piso molhado.
Conclusão descomplicada
Se ela é um mito ou não, para um mortal qualquer ou mesmo um motociclista de carteirinha não faz a menor diferença. Se ela é uma parada de sucesso quando você encosta em qualquer lugar é porque a moça chama atenção. Se ela vibra muito é porque essa gata tem um coração, e finalmente, se ela é confundida com as japonesas, é porque talvez ela seja a Titã das HD’s.
Reinaldo Baptistucci viaja com apoio do MOTO.com.br e da EBC BRAKES.
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