Roteiro de moto revela as belezas do Himalaia

Estradas desafiadoras, paisagens deslumbrantes e lagos surreais a 5.000 metros são algumas das atrações de uma aventura pela cordilheira mais alta do mundo

Por Alexandre Ciszewski

Escondida entre montanhas de cor cáqui e enormes paredes de rocha, que contrastam com verdes vales irrigados pelas águas de degelo ou pela bacia do Rio Indo, a região de Ladakh, no norte da Índia, é a porta de entrada para o Himalaia, a cordilheira com os picos mais altos do mundo. Cortada por estradas que chegam a mais de 5.000 mil metros de altitude, a região é o destino ideal para ser explorado ao guidão de uma moto.

Os desafiadores caminhos, a exuberante paisagem montanhosa e os surreais lagos azuis do Himalaia preenchem todos os requisitos para uma boa aventura. Não por acaso, Ladakh é um dos destinos preferidos dos motociclistas indianos. 

O isolamento “forçado” da região, acessível por terra apenas entre os meses de junho e setembro, ou seja, no verão do hemisfério norte, manteve preservada a cultura ladakh, mais um atrativo para os viajantes. 

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Conhecido como o “pequeno Tibet” da Índia, tanto pela semelhança étnica e linguística como também pela predominância da religião budista, Ladakh fica no estado indiano de Jammu e Caxemira, no extremo norte do país asiático. 

Aclimatação
A viagem pelo Himalaia indiano tem início em Leh, capital de Ladakh. A 3.500 metros acima do nível do mar, uma caminhada pelo movimentado mercado da cidade serviu para se aclimatar à altitude e também para conhecer o grande palácio budista finalizado no século XVI, que domina a paisagem de Leh.

Por recomendação do médico que acompanhava a expedição organizada pela Royal Enfield, nada de esforço físico: passos lentos e a ingestão de muito líquido ajudariam a reduzir o mal-estar e a insistente dor de cabeça causada pela altitude. 

No dia seguinte, era a hora de conhecer nossas companheiras de viagem. Além de dois brasileiros, o grupo era formado por outros 18 participantes de 11 nacionalidades diferentes para pilotar a clássica Royal Enfield Bullet de 500  cc

Fabricado desde os anos de 1930, o modelo tem banco confortável e torque suficiente para subir as montanhas. A robustez e a popularidade da Bullet na Índia também fazem dela uma boa escolha: os mecânicos locais têm o conhecimento e as peças necessárias para resolver eventuais problemas. 

Nossa primeira volta de 100 km ao redor de Leh, ajudou a conhecer a moto e a se acostumar com o trânsito de “mão inglesa” da Índia. Pode parecer simples pilotar do lado esquerdo da via, mas, acredite, não é. Cruzamentos, ultrapassagens e rotatórias funcionam de maneira oposta ao que estamos acostumados. 

O passeio seguiu até a confluência dos rios Indo e Zanskar, o point de rafting mais alto do mundo, e garantiu uma visita ao Spituk Gompa, monastério budista construído no século XI. A estrada de mão dupla e as inúmeras curvas fechadas, ao lado de precipícios, mostraram que os 27,5 cv de potência da Bullet seriam suficientes. 



Rumo ao topo do mundo
Nosso roteiro de viagem de sete dias visitaria as principais atrações do Himalaia indiano. Passagens de montanhas acima de 5.000 metros, pequenos vilarejos em planícies remotas e os incríveis lagos do Himalaia, formados pelas águas de degelo.

O primeiro desafio era Khardung La, um dos passos mais altos do mundo. Distante cerca de 45 km de Leh, o caminho engana no início: o asfalto bom logo dá lugar a uma estrada de terra cheia de pedras. A medida que subimos, a temperatura caiu dos 20°C para poucos graus acima de zero. A estrada fica ainda mais perigosa, mas a vista dos picos nevados compensa o risco.

A 5.602 metros acima do nível do mar, Khardung La é a estrada mais alta do mundo, segundo os indianos. Discussões matemáticas à parte, o lugar é incrível e mais movimentado do que se imagina. 

A estrada, que segue até o vale do rio Nubra mais ao norte, é uma antiga rota de comércio – fechada desde a metade do século passado em função da guerra declarada entre Índia e Paquistão pelo controle da Caxemira. Somente em 1971, o governo indiano começou a permitir o turismo em Ladakh. Por isso é aconselhável buscar um guia local para lidar com as permissões e o visto especial para visitar a região. Tire cópias e leve sempre esses documentos, solicitadas nas diversas barreiras militares. 

Em função da altitude, as montanhas ao redor de Khardung La são cobertas por neve permanentemente. O baixo índice de oxigênio não permite que se fique ali por mais de 20 minutos. Foi o suficiente para experimentar os “momos”, um bolinho típico de Ladakh, que têm recheio vegetariano embrulhado em uma fina massa – muito semelhante a um guioza japonês. 

Azul surreal 
A primeira vista que tive do Pangong Tso, ou simplesmente Lago Pangong, compensou o esforço do terceiro dia de viagem. A pequena porção de um azul surreal destacava-se em meio as áridas montanhas e me fez esquecer que havia pilotado oito horas para rodar 160 km

Tivemos uma parada forçada por mais de uma hora em Sakti, onde um deslizamento de terra interrompeu a estrada que ia para Chang La, outro pico a 5.369 metros. No Himalaia indiano, é preciso jogo de cintura para lidar com os imprevistos causados pela força da natureza. Faz parte da aventura. 

Com quase 700 km² de área, o Pangong é o maior lago do Himalaia. Formado pelas águas de degelo, tem mais de 130 km de extensão na fronteira com a China. Seguimos por mais 20 km em suas margens arenosas, atravessando rios formados pelas águas que descem nas montanhas. Pernoitamos a 4.250 m, no vilarejo de Man, o mais próximo que se pode chegar da área fronteiriça controlada pelo exército indiano.

O dia mais longo
Para chegarmos a outro lago, o Tso Moriri, teríamos pela frente 240 km, o dia mais longo da viagem. Em função das chuvas de verão e do grande volume das águas de degelo, a estrada que ia direto para o lago estava alagada.

Seguimos outro caminho passando por Taglang La, a 5.328 m. O desvio ainda nos fez encarar 120 km de uma estrada de terra com muito cascalho. Foi o maior e mais divertido trecho off-road da aventura. 

Embora menor que o Pangong, o Lago Moriri foi uma das paisagens mais encantadoras da viagem. Chegamos lá ao pôr-do-sol, o que faz com que suas águas reflitam os picos nevados ao redor do lago, como o Lungser Kangri, a 6.662 metros de altitude, e um ótimo destino para montanhistas. 

Aproveitando a noite mal dormida em função da altitude (4.595 m) e das temperaturas negativas, levantei cedo para conhecer a pequena e antiga vila de Karzok, que abriga um mosteiro budista de mais de 300 anos que pode ser visitado.



O céu do Himalaia
Além de uma forma divertida, explorar o Himalaia de moto pode “encurtar” distâncias. O trajeto entre os lagos Moriri e Kar, nossa última parada, é geralmente feito por uma caminhada (trekking) de três dias ou de carro pelo asfalto. 

A versatilidade da Bullet 500 nos permitiu seguir por terra. Aproveitamos para fazer uma foto do grupo no pequeno Tso Kyagar, lago onde se pode observar as gruas de pescoço negro, pássaro sagrado do Himalaia com mais de dois metros de envergadura.

Já no Tso Kar, havia muita areia ao redor do lago, o que exigiu certa habilidade dos pilotos e rendeu alguns tombos. A planície também é muito frequentada pelos pastores nômades de Ladakh que levam seus animais para pastar no local.

Literalmente no meio do nada, acampamos em tendas de lona grossa para passarmos a última noite da aventura. Outra noite fria a 4.530 metros. Nem mesmo a temperatura negativa e os fortes ventos impediram de ficarmos ao relento para admirar o “caminho de leite” derramado que as luzes de estrelas e galáxia formavam no céu do Himalaia. Finalmente entendi porque os astrônomos escolheram Via Láctea para dar nome a nossa galáxia. Mas tive de ir até o topo do mundo para isso.

TEXTO: Arthur Caldeira / INFOMOTO 
FOTOS: Arthur Caldeira / INFOMOTO ; Leonardo Lucarelli; Dhruv Sethi


Fonte:
Agência Infomoto

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