De XT 660R e DL 650 com destino a Ushuaia

Urbano Couto Batista e seu filho encararam uma viagem de mais de 9.000 Km e muitas dificuldades.

Por Roberto Brandão

Urbano Couto Batista

Quando obtive a aposentadoria, em março de 2009, resolvi que realizaria um antigo sonho: viajar de moto até Ushuaia - Argentina e marquei para janeiro de 2010, pois teria bastante tempo para organizar tudo com calma.

A esposa liberou-me com uma condição: teria que viajar com alguém e, prontamente, o meu filho mais velho, Diogo, com 26 anos, disse que iria comigo. Como bom brasileiro, deixei o tempo passar e tivemos que providenciar os suprimentos para a viagem muito em cima da hora, mas conseguimos. Elaboramos o roteiro, adquirimos os acessórios para as motos e equipamentos para usarmos durante a viagem.

O Diogo iria com a sua Yamaha XT 660 R ano 2008 e eu com minha Suzuki DL 650 ano 2009. Partiríamos de Londrina e passaríamos pelas cidades de Foz do Iguaçu no Brasil; Assunção no Paraguai; Resistência, Santa Fé e San Luis na Argentina; Viña Del Mar, Valparaíso, Santiago, Osorno no Chile; Bariloche, Comodoro Rivadavia, Rio Galegos, Rio Grande e Ushuaia na Argentina.

A ida daria uns 6.600 km. A volta seria passando por Buenos Aires e Montevidéu e daria uns 5.200 km. O total planejado seria rodar uns 12.000 km ou mais durante um mês. Partimos no dia 28 de janeiro deste ano, uma quinta-feira, às 10 horas e rodamos 860 km até Assunção. O percurso no Brasil foi bom, com estradas boas e um pouquinho de chuva. No Paraguai, entramos por Ciudad Del Leste e seguimos pela rota 2 até a capital. Chegamos às 22hs30, cansados, mas contentes com o rendimento do primeiro dia.

Constatamos o que muitos motociclistas escrevem acerca do país vizinho: desorganização na fronteira, má sinalização, trânsito caótico, carros velhos, motos sem placas, motociclistas sem capacete levando três ou mais pessoas sem segurança. Dirigimos com a atenção redobrada para não termos problema. Hospedamo-nos no Hotel Cecília que oferece um bom serviço por U$ 65 a diária.

No dia seguinte, tiramos algumas fotos da cidade e partimos em direção a Resistência (ARG). Na saída do Paraguai, exigiram o carimbo de entrada no país, o qual não havia no passaporte. Nós não pegamos o carimbo de entrada em razão da má sinalização no posto de controle. Para resolver o problema, pagamos uma multa (U$ 50), depois passamos pela vistoria de bagagem e, finalmente, entramos em solo argentino. Perdemos muito tempo na Aduana, mas tudo bem.

Depois, seguimos pela rota 11 e lá pelas 19hs30 paramos em Resistência. Ficamos no Hotel Cólon e pagamos U$ 40 de diária. Rodamos apenas uns 360 km, mas este foi um trecho difícil e perigoso. Enfrentamos fortes ventos com muita chuva, muita água na pista e a velocidade não passava dos 50 km/h. Fazíamos força para segurar as motos, pois o forte vento insistia em tentar nos derrubar. Felizmente, vencemos essa parte arriscada.

A cidade de Resistência é bonita, plana, tem muitas esculturas nas ruas e praças. Aproveitamos para trocar o óleo e o filtro da XT 660. Precisávamos trocar uns dólares, mas era sábado e os bancos estavam fechados. Então, fomos a um cassino e conseguimos fazer o câmbio. Saímos de Resistência no dia 30 de janeiro, ao meio dia, e rumamos em direção a Santa Fé (ARG). No início, fomos parados pelos policiais argentinos, Camineira, os quais inventaram uma infração de trânsito que não cometemos. Depois de muita conversa e, como já estávamos atrasados, resolvemos pagar 100 pesos e não perder mais tempo. É a corrupção que existe no país vizinho e no nosso também. Chegamos a Santa Fé às 21hs30, após rodar 560 km em longas retas. Ficamos no Hotel Conquistador, cujo preço era um pouco caro. Após um bom banho, fomos lanchar num restaurante no centro e depois dormir para recuperar as energias.

No dia seguinte, saímos às 9hs30 após tirarmos algumas fotos da cidade. Rodamos uns 570 km e paramos em San Luís às 21hs40. Estranhamos a forte neblina que encontramos durante o dia, na parte da tarde, num trecho de mais de 200 km, o que exigiu-nos redobrada atenção. Em San Luís, procuramos um hotel mais simples, porém exageramos. Depois que estávamos instalados, descobrimos que o banho seria de água fria. Apesar disso, foi divertido.

Saímos às 7hs, no dia 01/02, de San Luís e a ansiedade para cruzar a Cordilheira dos Andes era incontrolável. Rodamos uns 660 km e chegamos a Vinã Del Mar (CHI) às 21hs. Na subida da cordilheira o trânsito foi interditado e formou-se uma fila quilométrica, em razão de um grave acidente entre um ônibus e dois veículos. Ficamos uma hora parados, no sol quente, porém estávamos no início da fila. Vantagem para a moto em relação ao carro quando há congestionamento. Após a liberação do trânsito, aceleramos e logo chegamos à Aduana. A recepção chilena foi ruim, pois tínhamos que preencher alguns papéis ao ar livre, com vento, sol e poeira. Mais um bom tempo perdido e ainda pagamos um pedágio na entrada. Eles revistaram toda a bagagem. Haja paciência para desamarrar tudo e depois prender tudo novamente. Terminado a burocracia, continuamos acelerando as motos, parando para as fotos e curtindo as paisagens belíssimas que nos deixaram maravilhados com a beleza da natureza.

Em Vinã Del Mar, ficamos no Hotel Vancouver próximo ao centro e perto da praia. A cidade é maravilhosa, há muitos lugares bonitos para curtir. Aproveitamos para conhecer Valparaíso e tirar muitas fotos. Ficamos dois dias passeando e curtindo aquela região. No dia 03/02, saímos de Vinã Del Mar às 9hs40 e fomos até Santiago. Deixamos as motos num estacionamento subterrâneo e passeamos no centro, onde lanchamos. Saímos de Santiago às 13hs30 e seguimos pela rota 5 em direção ao sul do Chile. Nesse dia, rodamos uns 660 km e paramos após Los Angeles, num posto de gasolina da Copec, com ótima estrutura.

 Resolvemos estrear as barracas e os sacos de dormir novos. Montamos tudo, tomamos banho quente, fizemos um bom lanche e fomos descansar, cada um na sua barraca. O barulho de caminhões perturbou um pouco o sono, mas conseguimos repousar. Ao clarear o dia, tirei uma foto do termômetro que marcava 0 graus. Tiramos fotos das barracas para provar que acampamos e decidimos que devido à baixa temperatura elas não seriam mais usadas.

No dia 04/02, pegamos a estrada às 9hs30 e fomos em direção a (ARG). Tínhamos que cruzar a fronteira novamente e precisávamos apressar o ritmo, pois a Aduana fechava às 19hs. Quando faltavam uns 15 km para chegarmos à Aduana, paramos para tirar umas fotos da paisagem que estava lindíssima na região de Puyehue. Depois das fotos, saí na frente pois estava preocupado com o horário, mas percebi que o Diogo não aparecia no retrovisor, então diminuí a marcha, parei no acostamento, mas nada. Resolvi voltar e encontrei-o parado no mesmo lugar. A XT 660 teve uma pane elétrica. No painel aparecia o código de erro 19. Enquanto ele tentava resolver o problema, secando a umidade em algumas conexões elétricas da moto, voltei à cidade de Entre Lagos, há uns 40 km, para buscar socorro. Peguei chuva na volta e, com muita dificuldade, consegui uma caminhonete.

Quando reencontrei o Diogo, ele estava amarrando a XT sobre um outro caminhão guincho que havia retornado da fronteira. Conclusão pagamos dois fretes e pernoitamos numa cabana há uns 15 km de Entre Lagos. Fomos descansar tarde da noite e deixamos o problema para o outro dia. Logo cedo fomos à cidade para telefonar, usar a internet e se alimentar. O Diogo ligou para a Yamaha de Londrina e ouviu do mecânico as orientações a respeito das causas prováveis do defeito. Teria que conferir o sensor do descanso lateral, secar as conexões elétricas em razão das chuvas que pegamos e, se o defeito persistisse, então teria que trocar a ECU. Executou todas as orientações recebidas e o defeito continuou. Todavia, surgiu outro problema: a chave reserva vermelha, necessária para reconfigurar a ECU, tinha ficado em Londrina.

Ele contatou o ClubeXT600Brasil, do qual faz parte, e o Sr. Hart, administrador do site, deu o mesmo diagnóstico da concessionária Yamaha. Então, a nossa ficha caiu e entendemos que Ushuaia ficaria para a próxima vez. O Sr. Hart, sem nos conhecer, ao saber da nossa difícil e crítica situação, gentilmente e com muito altruísmo prontificou-se a nos ajudar. Teríamos que enviar a ECU para Florianópolis onde ele reside e ele iria consertá-la de graça. Como estávamos num lugar isolado, longe da cidade, resolvemos levar a moto de caminhonete a uma cidade maior que, Osorno, pois lá havia uma concessionária Yamaha. Voltamos mais uns 60 km. Em Osorno, percebemos que a oficina era precária e decidimos transportar a moto para a concessionária Yamaha de Santiago, pois haveria mais recursos na capital. Pegamos o endereço pela internet e contratamos o serviço com a LIT Transportadora que fez um preço razoável. Despachamos a moto no sábado, dia 06/02, e eles se comprometeram a entregar a moto em Santiago na segunda-feira, dia 08/02, à tarde.

Fizemos as reservas no Hotel Foresta e o Diogo foi de ônibus, levando a bagagem que estava na sua moto. Retornamos mais uns 1000 km até a capital. Fui com a DL 650, no domingo, dia 07/02. Em Santiago, tive dificuldade em achar o hotel, pois não constava na lista do GPS. Perguntei a um motociclista e ele, gentilmente, deixou-me em frente ao hotel. Foi melhor que o GPS. Na segunda-feira, dia 08/02, fomos à concessionária Yamaha no centro e eles disseram que não faziam serviços de mecânica, apenas venda de motos. Contatamos a transportadora e mudamos o endereço de entrega para a matriz, cujas instalações eram amplas e modernas. Todavia, a moto não foi entregue no dia programado, mas somente no dia seguinte bem tarde.

Na quarta-feira, dia 10/02, fomos à concessionária na parte da tarde e ouvimos o óbvio: a ECU pifou e teria que ser substituída. Então, analisamos todas as alternativas para solução do problema e fomos eliminando as mais onerosas, tais como: a) Comprar uma ECU nova era demasiado caro e demorado. Além disso, precisaríamos da chave vermelha que ficou no Brasil; b) Transportar a moto para o Brasil era caro e burocrático; c) Enviar a ECU para conserto no Brasil num pacote postal seria perigoso, pois poderia ficar retida na fiscalização; d) Levar a ECU de avião era caro e não havia passagens em razão do carnaval no Brasil; e) Levar a ECU de ônibus era menos caro, embora fosse mais demorado, e havia passagem para a outra semana. Escolhemos esta opção. Em Santiago há apenas três empresas que fazem esta viagem uma vez por semana. Deixamos a moto na concessionária Yamaha. Iniciei o retorno ao Brasil com a DL 650 no dia 11/02, quinta-feira. O Diogo saiu de Santiago no dia 15/02, segunda-feira, e deixou parte da bagagem no hotel. No dia 11/02, após o almoço, arrumei as tralhas na moto e parti sozinho, porém um pouco receoso caso ocorresse algum defeito na Suzuki, mas felizmente não tive nenhum problema.

Na subida da cordilheira, tomei muito cuidado com as rajadas de vento e pedras soltas, pois nas curvas não há proteção e qualquer vacilada a queda é grave. Levei cinco dias para chegar em casa. O Diogo viajou 60 horas de ônibus ininterruptas, com apenas um banho, mas chegou bem. No dia 18/02, enviou a ECU para o Sr. Hart em Florianópolis. Após alguns dias, ocorreu o terremoto no Chile. Na semana seguinte, o Sr. Hart devolveu a ECU consertada. Além disso, enviou a ECU com a ignição da moto dele como reserva, pois não era possível testar a ECU consertada sem a ignição da moto.

Apesar das notícias sobre o terremoto, após colher informações de que a situação estava se normalizando em Santiago, meu filho retornou ao Chile de ônibus, embora não tivesse conseguido se comunicar com a Yamaha de lá. Fez reservas no hotel via internet e viajou pela Chile Bus no primeiro ônibus após o terremoto. O Diogo disse que foi possível ver o estrago que o terremoto havia deixado. Chegou a contar as passarelas que haviam caído, em certo trecho, relatando que uma dezena delas estava ao lado da pista aos pedaços. Em Santiago, na concessionária Yamaha, entregou a peça e observou que a equipe da oficina ficou descrente, pois esperavam receber uma peça nova e não a mesma peça remendada. Após instalarem, deram partida e a moto pegou. Todos ficaram espantados. Pediram os dados da pessoa que havia reparado, a fim de indicarem para futuros motociclistas que enfrentarem o mesmo problema.

O Diogo pode retornar com a XT 660 R e a viagem, segundo ele, foi tranqüila. Fez todo o percurso de volta em apenas 4 dias parando em Florianópolis para entregar em mãos, a ECU e ignição da moto do Hart. Aproveitou para agradecer pessoalmente a atitude magnânima do Sr. Hart que resolveu o problema da moto.

Apesar dos contratempos que enfrentamos, tais como: chuva torrencial com fortes ventos, poeira, calor, frio, pane na moto que interrompeu a nossa viagem e fez com que não chegássemos ao Ushuaia, valeu a pena. Se soubéssemos previamente que teríamos tais problemas pela frente, faríamos a viagem do mesmo jeito, pois todas as dificuldades juntas não são nada, diante da grandeza das paisagens que curtimos. A Suzuki DL 650 rodou 9.400 km, fez uma média de 21 km/l. A Yamaha XT 660 R rodou 8.400 km e fez uma média de 19 km/l. Selecionamos algumas fotos dentre as quase mil que tiramos.

Finalmente, agradecemos aos nossos anjos que nos protegeram e aos familiares e amigos que torceram por nós. Da próxima vez, pretendemos chegar ao Ushuaia. Um forte abraço a todos e até a próxima

O “motonauta”  Urbano Couto Batista participou do Moto Repórter, canal de jornalismo participativo do MOTO.com.br. Para mandar sua notícia, clique aqui.


Fonte:
Equipe MOTO.com.br

Compartilhe:

Receba notícias de moto.com.br