De Fortaleza a Teresina: 1200 km entre ida e volta

Escritor faz sua maior aventura sobre duas rodas saindo de Fortaleza (CE) com destino a Teresina (PI)

Por Leandro Lodo

Estava tudo pronto para passarmos o Natal juntos, meus irmãos e eu. Mas uma notícia inesperada nos pegou de surpresa: nosso irmão Gil que mora em Teresina dera entrada na UTI com altas taxas de açúcar no sangue. E não pôde vir mais para o Natal. Então, decidi fazer uma surpresa: decidi ir a Teresina. De moto. Porém, era uma decisão que eu precisava tomar com calma, pois era nada mais nada menos que 1200 km ida e volta. Não eram os meros 120 km que eu estava acostumado a fazer indo a praia de Flecheiras ou à Serra de Guaramiranga no Ceará. Então, tinha que pensar, pois o que mais me preocupava era a dormência e dor causadas pelo longo tempo sentado na moto. Aquilo era de um desconforto terrível e não sei como lidaria com isso. Poderia atrasar a viagem com longas e freqüentes paradas.

Então, aconteceu algo que mudou tudo. Estava olhando livros na Livraria Cultura quando vi um título bastante sugestivo de um fotógrafo muito conhecido em Fortaleza. Não era um livro de fotografias, no entanto, mas de moto! MANUAL DO VIAJANTE SOLITÁRIO, de José Albano. Um livro delicioso que li em um dia. Albano viaja há 25 anos numa Honda ML 125 da década de 80! Pelo Brasil inteiro, acampando. Não estava interessado em acampar, mas estava interessado em muitas dicas que ele dava no livro. E, como uma resposta do céu para minhas angústias, estava lá a mais preciosa de todas: a que ensinava a viajar de moto sem o desconforto do assento. Falando num português claro: sem dor na bunda.

Albano aprendera com outro motociclista que o segredo é uma almofada d'água. A água da almofada faz o sangue circular, impedindo dormência e dor. Cadeirantes e pessoas idosas prostradas sabem disso. Comprei a almofada imediatamente, enchi de água até a metade, tirei o ar, comprei um elástico e amarrei no banco. Fiz uma espécie de cinto. Pus a almofada no assento e, por conta da falta de tempo, só pude fazer o “teste driver” no dia de minha partida.

Saí de Fortaleza às 9h. Da Aldeota, onde moro, até a saída da Av. Mister Hull em direção a Caucaia, levei 35 minutos. Um trânsito terrível, que vem, infelizmente, se tornando cotidiano na Cidade. Atravessei o confuso Centro de Caucaia e tomei a BR 222.
Uma rodovia caótica: cheia de buracos, buchas provocadas pelo calor e desníveis ocasionados pelo peso dos caminhões. Estes, aliás, os verdadeiros donos da estrada. Porém não por direito somente, mas por força. Estava lá eu, um mosquitinho barulhento com minha Bros 150 cc no meio daqueles dinossauros de ferro de 5 toneladas, me livrando de sua presença e resistindo à sua passagem, cujo impacto do vento contrário é uma bofetada perigosa.

Mas havia um elemento ainda pior pelo qual eu ainda não conhecia: o vácuo provocado pela passagem dos caminhões. Verdadeiras correntezas de vento que arrastam você para junto da traseira do veículo pesado. Um perigo! É preciso atenção aí.

Minha primeira parada foi em Itapagé, a 120 km. Até lá é preciso muitos cuidados. Admirei-me com a beleza das rochas e o formato das famosas Pedra da Caveira e Pedra do Frade. Lá em Itapagé, há um acontecimento diário que toma conta da cidade serrana todo dia antes e depois do almoço. Algo que apelidei de "Onda Azul".

São algo em torno de 500 motociclistas vindo das duas fábricas de calçados Paquetá, vestidos de uniformes azuis, saindo para o almoço, o que já se tornou uma intervenção nesse horário. Tanto que os locais se programam para sair ou chegar antes desta "onda", ou “dos Paquetá”, como dizem. O trânsito é interrompido para aquela “onda azul” passar.

Segui para Sobral numa estrada em obras com um calor insuportável. Uma estrada que nunca foi boa. Talvez estas obras sejam a definitiva para acabar de vez sua má qualidade. Mas a sinalização da BR 222 é precária, e houve períodos que andei quilômetros sem uma sinalização nem para dizer a que distância eu me encontrava de tal e tal cidade.

No trajeto quase interminável para Sobral, percorrendo quilômetros de piçarra, sob um sol de quase 40 graus num céu azul ofuscante, temi que algo acontecesse com a moto. Sim, eu havia feito a revisão geral no dia anterior, ela estava perfeita. Mas se furasse um pneu ou quebrasse algo que a obrigasse parar, eu estaria ali, naquele braseiro terrível sem água e sem cobertura para me proteger. Pedi a Deus que mandasse chuva. Em pouco tempo, uma grande nuvem escura cobriu o Sol, não choveu, porém o alívio foi enorme, e naquela sombra, consegui chegar às portas de Sobral, onde abasteci a moto e a mim mesmo.

Ao chegar à rotatória que vai para Tianguá, nenhuma placa indicando para onde fica a Serra Grande. Eu já sabia de antemão para onde ir, à esquerda, mas e quem não sabe? Quando cheguei ao pé da serra para subir, finalmente uma sinalização de peso: duas altas placas... apagadas! Pernoitei no Gian Hotel em Tianguá, chegando às 18h. Tomei uma ducha gelada para espantar o calor da estrada. Bom hotel, 34 reais o pernoite. Friozinho de serra, aliviante.

No hotel, liguei para meu irmão contando onde estava e para onde ia. E como ia! Ele riu muito, se emocionou e eu também.

No dia seguinte, após um café reforçado, saí às 6h15 e parti em direção a Piriri no Piauí. Minha Honda Bros 150cc ano 2008 tem autonomia de 200 km, mas eu andava 80 ou 120 km e abastecia. Não esperava chegar ao limite. Torcia no íntimo, no entanto, para não ser vítima de nenhuma gasolina batizada do interior. Não tive problemas quanto a isso e foi um prazer imenso percorrer longas estradas, solitário, apenas eu, Deus, a moto e o sonho de seguir em frente.

De Piripiri, passei por Campo Maior, Altos e finalmente Teresina. Até a capital do Piauí, a estrada estava boa, ainda bem. E consegui chegar à casa do meu irmão às 11h45. Mas seria melhor se o número de caminhões que movem este país fossem diminuídos mais da metade em nossas rodovias. Isso aumentaria a segurança. E a minha sugestão é: cortar o Brasil com linhas férreas para todo lado, levando as cargas de todo tipo em seus contêineres. Os motoristas de caminhão teriam prioridade em trabalhar nos trens e também mais segurança, não se arriscando em estradas desertas e sendo assaltados e até mortos por ladrões de carga.

Fiquei uma semana com meu irmão e sua família. Voltei dia 28 de dezembro de 2010. Mas, desta vez, não ia pernoitar em lugar algum, fui direto para Fortaleza. Saí às 5h30 e cheguei a Fortaleza às 18h do mesmo dia. Foi uma longa viagem e a “Guerreira”, nome que passei a chamar minha Bros, se saiu muito bem.

Agora, quanto à almofada d'água, fui bendizendo o nome de José Albano até lá! Ela é simplesmente sensacional! Em nenhum momento parei por causa de dores. Conforto completo na viagem. Ao observar as estradas se perdendo no horizonte, ficava tranquilo, pois tinha comodidade suficiente para passar horas viajando, sem pressa de chegar por causa de nenhum incômodo do assento.

Fiz essa viagem confiando em Deus e tendo, desde o início, o pensamento de Chesterton na cabeça: “A aventura pode ser louca, mas o aventureiro tem de ser lúcido”.

Faça como o “motonauta” Germano Silveira e participe você também do Moto Repórter, canal de jornalismo participativo do MOTO.com.br. Envie sua notícia!


Fonte:
Equipe MOTO.com.br

Compartilhe:

Receba notícias de moto.com.br