Na Estrada: O que não cabe no alforje

Às vezes é importante revisitar o passado. 

Quando digo isso não é fazer uma regressão mental nem se arrepender das infinitas cagadas da juventude. Não. Eu falo de pegar a sua máquina do tempo – também conhecida como motocicleta – e literalmente fazer uma viagem até o lugar das suas primeiras memórias. 

É bom pegar a estrada num dia qualquer e, sem avisar sua mulher, seus pais nem seu motogrupo, pilotar até a sua cidade natal. 

É interessante encostar a moto em frente à casa onde você cresceu e ver quem mora lá hoje, reparar nas mudanças que fizeram na parte de fora, e tentar imaginar o que mudaram na parte de dentro. Mas é bom não se demorar muito, senão os atuais moradores vão achar que você está mal intencionado.

É saudoso estacionar em frente ao condomínio fechado que ocupa agora o que antes era o imenso terreno onde você tentava jogar bola, caçava passarinhos sem sucesso e subia nas inúmeras árvores pra colher mangas, carambolas, seriguelas, ameixas e jabuticabas. 

Ainda é assustador passar em frente ao presídio que ficava a poucas quadras da sua casa e que botava o terror na sua infância. Mais angustiante é pensar que alguns presos daquela época ainda podem estar trancafiados lá dentro, enquanto você passou esse tempo todo aproveitando ao máximo a sua liberdade com a sua moto.

É gratificante parar em frente ao prédio de uma grande empresa de segurança e monitoramento, que foi construída aos poucos e com muito suor, e se surpreender com aquele logotipo que você criou na camaradagem há quase duas décadas e que agora está no topo desse edifício, que os negócios vão bem e que o seu amigo conquistou o merecido sucesso. 

É curioso rever outros amigos, ainda que apenas de longe, e verificar quais características de moleque eles ainda mantêm: as orelhas de abano, o nariz grande, as pernas tortas, a língua presa. É divertido tentar lembrar deles como eram antigamente e ver que agora andam com filhos que não se parecem com eles agarrados nas pernas e pescoços.

É mais rápido ir até as casas das meninas que você gostava. Se antes você ia de bike, de skate ou de mobila, agora você vai com a sua máquina do tempo, e você gostaria que ela te levasse para aquela época pra aproveitar todas as oportunidades que você perdeu: de pedir pra sair, de pedir um beijo, de pedir desculpas, de pedir em namoro, de pedir pra voltar.

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Também é bom deixar a moto na padaria de sempre, onde você primeiro comprava balas e sorvetes e depois passou a comprar cervejas e cigarros, e caminhar pelo antigo bairro, revisitar as construções conhecidas da infância, percorrer o caminho da escola, a trilha para a casa do seu melhor amigo. É bom parar em frente à casa que era da dona Diva, benzedeira que sua avó te levava pra curar suas costumeiras dores de garganta, e agradecer mentalmente pelas rezas, algo que você não entendia naquele tempo, mas que hoje enchem os seus olhos d’água.

É bom revisitar o lugar onde a foto que fecha estes textos foi clicada. Era uma CG 82 ou 83 do Luís. Além de vizinho e dono da moto que você cobiçava desde pivete, ele também era pai da menina mais linda do bairro. Mas essa história fica pra outro dia, porque envolve uma DT 200, uma arma na cabeça e correrias de um tempo que não volta mais.

Tiago Feliziani nasceu em 1981 na cidade de Sorocaba/SP. É publicitário, redator, escritor e motociclista, e hoje tenta não cometer os mesmos erros do passado.

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Fotos: Arquivo Pessoal