Teste de memória

Confira este artigo e encare a realidade do motociclismo brasileiro, setor que merece atenção.

Por Leandro Alvares

Mário Sérgio Figueredo

Você tem boa memória? Se a resposta é sim, passe no Detran (Departamento Estadual de Trânsito) mais próximo da sua casa e retire sua carteira de habilitação de motociclista, sem nenhuma complicação adicional. “Para ser piloto de motocicleta no Brasil, não é necessário ter habilidade, basta apenas ter boa memória.”

Boa memória, essa é a única habilidade que nossos legisladores de trânsito entendem como necessária para alguém ser considerado apto a pilotar motocicletas. Triste, mas a mais pura verdade. Acompanhem o meu raciocínio.

Para obter habilitação categoria “A”, que permite pilotar motocicletas de qualquer cilindrada, é preciso somente que o candidato decore uma cartilha que contém placas de sinalização de trânsito, alguma coisa de legislação, noções de primeiros-socorros e pouca coisa de direção defensiva.

Basta fazer uma prova escrita, respondendo algumas poucas questões retiradas da cartilha previamente decorada e a pessoa já está praticamente habilitada. Aí é que concluímos que se a sua memória for boa, não há como ser reprovado, e nem precisa aprender, basta decorar.

Ultrapassada essa etapa, o indivíduo postulante ao direito de pilotar motos faz uma prova prática, devendo conduzir a motocicleta por um percurso em circuito fechado, composto de algumas retas, algumas curvas, um “8” marcado por cones e uma pequena rampa que não oferece dificuldade alguma.

Pronto! O sujeito agora está habilitado, podendo ser chamado de motociclista e sair por esse mundão de Deus montado na sua reluzente máquina, quer seja ela uma Biz ou uma Hayabusa, transformando-se da noite para o dia em forte candidato a virar “presunto” na próxima esquina.

Haverá quem defenda a tese de que se o candidato conseguiu executar o percurso imposto no teste prático, isso provaria que ele é capaz de pilotar seguramente a sua motocicleta. Ledo engano!

Sabe-se que a grande maioria dos Centros de Formação de Condutores ou Auto Escolas, cujo objetivo deveria ser o de capacitar o candidato, está apenas preocupada em ter mais um aluno habilitado, independente dele ter condições, afinal isso é “irrelevante”.

Nesse teste prático, constata-se que as auto-escolas preparam a motocicleta, geralmente uma 125cc, regulando a aceleração de forma que o motor não “morra” e também o candidato não precise acelerar, ou seja, basta engatar a primeira marcha e fazer o percurso de forma mecânica e ensaiada, apenas controlando o guidão e o freio. Até minha avó octogenária é capaz de passar nesse ridículo teste com louvor.

Complementando meu raciocínio, em nenhum momento o CFC (Centro de Formação de Condutores) leva seu aluno à rua para ensinar-lhe como se portar no trânsito, como dobrar uma esquina, como se proteger dos outros veículos, como evitar o ponto cego dos retrovisores dos carros, como evitar tampas de bueiro, faixas pintadas no asfalto e pista escorregadia em dias de chuva ou como frear em situações de emergência, ensinamentos essenciais para quem pretende se aventurar nesse nosso trânsito caótico e assassino.

Resumindo, somente após receber a tão sonhada CNH (Carteira Nacional de Habilitação) é que começará o verdadeiro aprendizado nas ruas, sozinho, largado nas mãos da sorte, sendo nesse princípio de convivência com o trânsito um forte candidato a engrossar as estatísticas de acidentes com motocicletas no nosso país.

E essas estatísticas são assustadoras, pois conforme dados fornecidos pelo Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), em maio de 2008 a frota de motocicletas e assemelhados (ciclomotores, motonetas, triciclos, quadriciclos e sidecar) já representava 23% da frota total de veículos no Brasil.

Apesar das motocicletas representarem apenas 23% da frota, elas estiveram envolvidas em 67% dos acidentes com vítimas, conforme anuário estatístico de 2005 divulgado pelo mesmo Denatran, número bastante expressivo e preocupante.

Esses dados, disponíveis para todos, deveriam servir como alerta aos nossos legisladores de trânsito para que vissem os veículos de duas rodas com mais respeito e interesse. Entretanto, a cada pacote de leis que são sancionados, ao invés de facilitar nossa vida, o resultado tem sido exatamente o contrário com normas de resultados inócuos, vide as recentes normas de utilização de capacetes, proibição de tráfego nas marginais, tentativa de proibição de garupa, aumento extorsivo do DPVAT e por aí vai.

Somos uma categoria expressiva e gostaríamos que nos fosse dado o respeito e o valor que merecemos. Queremos ser tratados como cidadãos, que cumprem seus deveres cívicos, mas que também querem ver seu direito à vida assegurado.

Voltando ao tema original, entendo que somente conseguiremos reduzir o número exagerado de acidentes com motos no momento em que medidas enérgicas forem tomadas no sentido de criar meios de, não somente habilitar o cidadão a conduzir motocicletas, mas principalmente prepará-lo de forma eficiente, dotando-o da habilidade necessária e suficiente para tal, gerando mecanismos para detectar aqueles que não detém a capacidade plena para pilotar.

Podemos copiar modelos eficientes que são adotados em outros países, como por exemplo o da Itália onde a habilitação é concedida em degraus de potência das motocicletas. Explicando melhor; lá o aprendizado começa aos 14 anos com scooters e motonetas de ate 50cc; a partir dos 16 anos, com scooters e motos de até 20 hp; a partir dos 18 anos com motos até 34hp. Somente com 20 anos, ou seja, após quatro anos de experiência com motos pequenas, é que o jovem italiano vai poder pilotar super-máquinas sem limite de potência ou cilindrada (obrigado ao meu amigo Gustavo “Chuck” pelas informações da Itália). Além do modelo italiano, existem muitos outros modelos que podem ser estudados e adaptados à realidade brasileira. Falta apenas vontade política e interesse público.

Não sei qual desses modelos é o mais indicado e adaptável à nossa cultura. O que não pode é continuar como está, alguma coisa tem que ser feita rapidamente porque o número de novos motociclistas está crescendo exponencialmente a cada ano que passa e também o número de vítimas que tristemente vemos todos os dias nos jornais.

Qualquer desses modelos consagrados em países mais “sérios” evitará que muitos dos nossos jovens morram todos os dias, simplesmente por estarem pilotando motocicletas para as quais não estão preparados.

Só nos resta rezar para que alguma cabeça lá no Contran (Conselho Nacional de Trânsito) seja iluminada e decida recorrer ao auxílio de profissionais com amplo conhecimento internacional de motocicletas e vida de motociclista, pois só assim veremos decisões acertadas e direcionadas a efetivamente preservar e salvar a vida dos milhões de cidadãos que utilizam diariamente seus veículos de duas rodas, quer seja por hobby e lazer ou por necessidade profissional.

O “motonauta” Mário Sérgio Figueredo participou do Moto Repórter, canal de jornalismo participativo do MOTO.com.br. Para mandar sua notícia, clique aqui.


Fonte:
Moto Repórter

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