Nelson Chardô
Ligando os Faróis: De Torres (RS) a Chuí (RS), dias ensolarados com temperaturas entre 14ºC e 27ºC, ventos fracos de sudeste, umidade relativa do ar em torno de 60%, lua cheia mudando para minguante. Tábua de marés indicando baixas com oscilações de queda nos horários previstos da viagem.
Estas eram as previsões do tempo para cinco dias no final de novembro de 2007, condições favoráveis e decisivas para colocar em prática um antigo projeto de conhecer os faróis que orientam a navegação no litoral do Rio Grande do Sul.
Para tal feito, tive a parceria do amigo motociclista de Viamão, Luis Medeiros, que nasceu em Mostardas e conhece bem a região. Utilizamos motos leves, NX4 e DR650, sem muitos preparativos e equipamentos.
Foram mais de 700 km do Rio Mampituba, divisa com Santa Catarina, até a Barra do Chuí, fronteira com o Uruguai. Rodando pela praia e contornando em três obstáculos: Barra do Rio Tramandaí, Barra da Lagoa do Peixe e Barra de Rio Grande.
Atravessamos uma área chamada “concheiro”, com extensão de aproximadamente 14 km, onde existem grandes quantidades de conchas misturadas à areia fofa que impede a passagem, pois atola facilmente, sendo possível andar somente pela beira da praia, na maré baixa, junto à onda que avança e molha a areia, tornando o solo mais firme. Mas se parássemos ali, também ficaríamos atolados e possivelmente não conseguiríamos recuperar a moto.
Visitamos e fotografamos todos os faróis: Mampituba Norte (10m de altura), Mampituba Sul (10m), Torres (46m), Arroio do Sal (40), Capão da Canoa (26m), Tramandaí (23m), Cidreira (30m), Berta (40m), Solidão (21m), Mostardas (38m), Conceição (30m), Estreito (40m), Barra (31m), Molhe-Leste (12m), Molhe-Oeste (12m), Sarita (37m), Verga (11m), Albardão (44m) e Chuí (30m).
Mas encontramos também muita poluição em toda extensão, muitas garrafas pet, sacos plásticos, vidros, lâmpadas, cordas de nylon, pneus velhos e caixas de leite. Muitos navios naufragados, com estruturas que se enterram a cada ano. Vimos ainda a agressão à vida, muitas tartarugas centenárias e golfinhos mortos por redes de pesca. Restos de baleia e leão marinho.
A costa gaúcha é a mais extensa praia do Brasil e também uma das maiores do mundo de mar aberto, sem baia, sem vegetação e sem montanha, com exceção de Torres. A extensa faixa de praia é limitada pelo mar e por dunas em quase toda sua extensão, e também por 61 lagoas e banhados como a reserva do Taim.
Na região da metade sul desta longa faixa deserta, grandes bandos de aves migratórias, que se deslocam do hemisfério norte ou sul, utilizam para se alimentar e procriar, principalmente na Estação Ecológica do Taim e no Parque Nacional da Lagoa do Peixe.
Esta região também ficou conhecida como Campos Neutrais ou “terra de ninguém” — reconhecida pelo Tratado de Santo Ildefonso, de 1777, entre Portugal e Espanha, onde a Espanha ficaria com a Colônia do Sacramento e devolveria a Portugal as terras ocupadas no atual estado de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Isolada e pouco habitada, esta foi a região ideal para esconderijo de bandoleiros que atraiam navios para a beira da praia a fim de assaltá-los. Ali se estabeleceu um grupo mafioso sob o comando de refugiados italianos da Calábria. Não se sabe exatamente quando eles chegaram à região, mas é quase certo que isso ocorreu nos primeiros anos da antiga Campos Neutrais.
A região também é conhecida como cemitério de navios, pois o mar aberto com ciclones e grandes ondas já provocaram vários naufrágios. Nos 267 anos de historia do Rio Grande do Sul, contam-se ao menos 270 naufrágios em sua costa.
Estudiosos apontam uma clara relação entre os naufrágios e a passagem de frentes frias pela região. Mas o total de naufrágios, segundo estes mesmos estudos, pode ser bem superior, porque não há um levantamento confiável relativo aos últimos 60 anos.
O “motonauta” Nelson Chardô participou do Moto Repórter, canal de jornalismo participativo do MOTO.com.br. Para mandar sua notícia, clique aqui.
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