De moto no Himalaia: Pilotando no topo do mundo
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Por Alexandre Ciszewski
Por Alexandre Ciszewski
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Diego Escriva de Romani
- Que tal um passeio em moto pelo Himalaia?
- Ok. Vamos sim! parece algo diferente.
E lá estávamos, prontos para uma viagem em moto clássica pelo Himalaia índio, na região de Ladakh, que no idioma local significa “terra dos passos elevados˜, também chamada de Pequeno Tibete pela imensidade das montanhas e bem preservada cultura autóctone, muito visível na arquitetura civil e monacal, a música, as vestimentas, o artesanato e a deliciosa comida que degustávamos.
Tínhamos contatado com um amigo que organiza esta aventura desde faz vários anos, uma aventura de essas que perduram na memória como de “Uma vez na vida”. A viagem tinha de todo, o desconhecido, a beleza da paisagem, o território extremo, a simpatia das pessoas locais, e os laços de amizade criados entre o pequeno grupo de pilotos que nos reunimos disfrutando das robustas Royal Enfield 500, a moto monocilíndrica mais popular na Índia, com seu inigualável som, uma nova experiência para aqueles como nós, acostumados a viajar em BMW GS.
De origem inglês e fabricação indiana, com poucas modificações desde os anos 60, a RE é uma verdadeira moto clássica ideal tanto no asfalto como nas estradas de terra. Só é possível fazer esse passeio entre os meses de maio e outubro, pois no resto do ano as estradas estão interditadas por causa da neve.
O grupo de pilotos nos reunimos na cidade de Leh, a capital de Ladakh, no Estado indiano de Jammu-Kashmir. Leh fica a 3.524 metros acima do nível do mar, ideal para se acostumar ao oxigênio rarefeito. Chegamos a Leh em voo local desde Nova Delhi, com vistas impressionantes sobrevoando os picos do Himalaia. Leh é uma cidade tranquila, com seu Castilho medieval e templos budistas, ainda que nos últimos anos recebe cada vez mais turistas. Tem uma boa infraestrutura de hospedagem, nós ficamos em um charmoso guest house só para o grupo, com um belo jardim e a simpatia dos donos. Já os três primeiros dias foram de toma de contato com as RE viajando num radio de 150 Km visitando mosteiros e pequenas vilas, e para se acostumar ao oxigênio. Vale lembrar que na Índia se circula pela esquerda.
Ao quarto dia começou a aventura de verdade, sempre com um Jeep de apoio e o Mitu, nosso mecânico local. No Jeep levávamos gasolina extra, ferramentas e peças, além da equipagem. Nas motos só carregávamos o básico nas malas laterais, como equipamento de inverno, agua mineral, protetor solar e equipamento fotográfico. Viajamos 15 dias no mês de Julho, com temperatura media muito agradável de 25 C, porém nos passos elevados pode fazer mais frio e até nevar.
Desde Leh partimos em sentido sudoeste pela estrada que leva a Srinagar, a capital da Cachemira, região famosa por a lã do mesmo nome. Tivéramos muita sorte porque os 300 primeiros km da estrada tinham sido asfaltados recentemente e parecia que pilotávamos sobre um tapete preto entre montanhas gigantescas. Em apenas duas horas chegamos ao mosteiro budista de Alchi, um lugar centenário que visitamos junto ao rio Indo, alguns do grupo foram meditar durante a puja, os cânticos dos monges acompanhados do ressonar de tambores, pratos metálicos e longas trompetes. Este mosteiro é famoso por suas pinturas e estátuas centenárias. Visitamos a vila e ficamos lá a essa noite.
Nós, acostumados a viagens rápidos pelo Brasil, Argentina e Chile, rapidamente percebemos que a filosofia de viajar pelo Himalaia é totalmente oposta. Apenas passamos de 80 km/h de media e paramos continuamente para desfrutar das vistas, fazer fotos ou tomar um chá. Ninguém tem presa, a viagem não é chegar precipitadamente, porém desfrutar ao máximo da rota.
Durante todo o tour tivéramos uma comida saborosa e natural, nada do picante do centro da Índia, isso sim, maioritariamente vegetariana, porém com tanta diversidade de pratos por experimentar que ninguém reclamou em toda a viagem, aliás, cada dia terminava com boas conversas arredor de refrescantes geladinhas. No grupo tínhamos um casal da Califórnia, outro espanhol (ela na garupa), três alemães, nós dois brasileiros e os guias, um da Austrália que mora na Inglaterra e o outro espanhol morando aqui no Brasil (nosso contato). Conversávamos principalmente em inglês e na Índia praticamente todo mundo fala um bom inglês, pois é a língua falada nas escolas.
Nossa seguinte etapa foi continuar pela mesma estrada que acompanha ao rio Indo, um dos mais longos do subcontinente índio com 3200 kms. Após outros 300 km nos desviamos por uma estrada incrivelmente sinuosa até o mosteiro de Lamayuru, um dos maiores da região. Cada mosteiro tem sua própria vila arredor, são templos milenários com fantásticas obras de arte, muita paz e tranquilidade. Nesta viagem a combinação de moto, aventura e montanhas imensas se complementa com a cultura tibetana milenária, criando um coquetel único que não é possível encontrar nos Andes.
A seguinte jornada foi continuar direção sul até Mulbekh, uma vila com uma estatua gigante de buda esculpida na pedra. A partir deste ponto os templos tibetanos, chamados Gompas, vão sumindo para deixar passo às mesquitas muçulmanas, pois estamos nos aproximando a Cachemira. Hora de se desviar para uma nova rota. Continuamos durante um par de dias dormindo em vilas de montanha maravilhosas, fazendo piqueniques no almoço com fruta, pão, queijo e frios locais deliciosos, visitando casas de pessoas nativas sendo sempre recebidos com um grande sorriso. À noite jantávamos muito bem, inclusive com saborosas trutas recém pescadas.
Por fim enfiamos para o Khardung La, a 5.602 m.s.n.m. na estrada mais alta do mundo. As RE andavam superfinas e nós já estávamos acostumados à altitude. Essas motos são muito confortáveis e na hora de atravessar rios provocados pelo degelo dos glaciares o truque é ir na primeira sem tocar a embreagem nem o freio. É incrível como ela se mantém na primeira marcha. Chega um momento que o asfalto some totalmente, calçávamos pneus intermédios e nos aproximadamente 2000 km da viagem ninguém furou. Nosso mecânico revisava ao final de cada jornada as motos e realmente isso dá muita confiança. As vezes tivéramos que ajudar algum piloto solitário, quase todos israelitas passando um ano sabático (muitos mais tempo para eludir o serviço militar), porem me lembro de um “hermano” peruano muito simpático que nos acompanhou durante dois dias.
O Khardung La é o passo ao vale de Nubra, um dos mais fantásticos que já vi na minha vida. Chegamos a Diskit, com seu extraordinário templo no alto de uma atalaia desde onde se divisa uma estátua de Buda gigante olhando paro o Paquistão, que fica a apenas 100 km, mas o exercito não deixa passar por segurança de um ponto uns 25 km antes da fronteira. Em Diskit acampamos, o vale tem cultivos e um microclima, fica à beira de um rio onde tomamos banho. À noite fomos invitados pelos locais a nos unir a suas danças tradicionais, experimentamos tsampa, um delicioso cereal local com mel muito energético, e bebemos seu aguardente típico de cor branco, que não me lembro do nome, porém sim de seu forte sabor.
Passamos um par de dias explorando o imenso vale e suas vilas, cada uma mais surpreendente e ausência total de turistas, cada chegada tínhamos a toda a vila nos cumprimentando e a criançada correndo e gritando de alegria acompanhando nossas motos. A sensação enchia a alma. Logo continuamos rumo este, ao longo do rio Shyok até nos desviar pela estrada que leva ao lago Pangong Tse. Trata-se de um lago de um azul infinito, de agua levemente salgada, que se adentra no Tibete, lá chega um momento que as patrulhas chinesas (que invadiram o Tibete em 1950) não deixam continuar. Acampamos num lugar com as carpas feitas de paraquedas (aproveitados dos suprimentos enviados pelo exercito índio no inverno aos pastores locais). A gente tomo banho no lago numa agua geladissima, jantamos, jogamos baralho e bebemos rum, o qual facilitava dormir a 4.200 m.s.n.m. (normalmente não dormíamos a mais de 3.600 m.s.n.m.)
Iniciamos nosso regresso a Leh, cruzando pelo Chang La, outro passo elevado, este de 5.360 m.s.n.m. onde pegamos algo de neve e, algo inacreditável, um grupo de garotas suíças cruzando de mountain-bike. Nos dirigimos ao Parque Nacional de Hemis, trata-se do encontro do subcontinente Índio com a placa continental asiática e as montanhas parecem lâminas gigantescas prensadas pelo choque tectónico criando uma paisagem alucinante. Hemis tem um mosteiro enorme que visitamos e de lá viajamos sentido sul na estrada Leh-Manali até Lato, uma pequena vila muito charmosa onde pernoitamos num guest-house de uma família encantadora.
De volta em Leh curtimos internet, seus deliciosos restaurantes, lojas de artesanato, a vida “civilizada” e tivéramos tempo para ir a meditar a um templo, alguns foram de rafting ao rio Indo no dia livre, e outros a experimentar uma massagem. Esta viagem criou uma grande amizade entro todo o grupo ainda mantida, eu fiquei com lembranças inesquecíveis e, devo confessar, uma certa admiração pelas Royal Enfield.
Contato para Expedicao:
Diego E Romani
Foto: Acervo Pessoal
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