''Causos'' da estrada: Companheiros
Uma análise sobre as razões que fazem muitos motociclistas evitarem os motoclubes.
Por Leandro Alvares
Por Leandro Alvares
Mário Sérgio Figueredo
Há alguns dias, conversando com um amigo num chat, ele relatava-me uma viagem recém-realizada pelo seu motoclube. Pude perceber que o passeio daquele grupo não trazia boas lembranças, pelo contrário, continha mais dissabores do que diversão e prazer propriamente ditos.
Pelo seu relato, os desentendimentos começaram antes mesmo da partida, que havia sido marcada para as 7h30 da manhã, e a despeito de tudo que havia sido combinado em reuniões preliminares com todos os candidatos a viajante, chegou a hora da partida e alguns confirmados não apareceram.
Ao ligar para seus celulares souberam que os “amigos” ainda estavam em casa, dormindo, evidenciando total desrespeito com seus futuros colegas de estrada. No final, acabaram saindo às 9h, uns bronqueados com os outros, o que desencadeou novos acontecimentos desagradáveis no percurso, mas não os abordarei por serem irrelevantes ao tema deste texto.
Esse é talvez o maior problema que vejo na participação de motoclubes. Os relacionamentos são impostos pelo acaso, ou seja, não há como escolher seus companheiros de estrada com critérios que poderiam assegurar uma convivência agradável.
É difícil conter alguns integrantes que pelo simples fato de vestir o colete do MC transformam-se de forma imprevisível, deixando aflorar o ego, colocando em risco a imagem do motoclube e até mesmo a segurança física dos demais integrantes.
Talvez esses tenham sido os fatores determinantes na minha decisão de não mais participar de motoclubes. Optei em continuar viajando apenas com amigos, aqueles garimpados no decorrer do tempo.
Viajar de moto proporciona um prazer indescritível que somente é superado quando na viagem você está acompanhado daqueles amigos que preza, respeita e goza da mesma reciprocidade de sentimentos.
Só que até você chegar à conclusão de que determinada pessoa merece o título de “seu amigo”, é uma tarefa demorada de observação e lapidação das arestas complicadoras do relacionamento.
O mais comum é encontrar comportamentos displicentes e desinteressados. Por isso, é muito difícil achar companheiros perfeitos para viagens, quer seja para aquelas breves de final de semana ou as mais longas, que demandam maior cumplicidade e preparação. Comum é encontrarmos companheiros de uma única viagem, por vários motivos.
Nem sempre os gostos combinam; um gosta de correr mais e se incomoda de manter o ritmo do grupo, não se importando em perder o convívio silencioso da estrada e a alegria de ver o outro a sua frente ou pelo espelho retrovisor; outro tem mais poder aquisitivo e não se sujeita a acampar ou freqüentar hotéis e restaurantes mais modestos e adequados ao bolso do restante da turma; outros não gostam de parar para apreciar as coisas bonitas da estrada, e o pior, alguns não dão o necessário auxílio quando alguma das motos quebra no meio da viagem, esquecendo que é na superação dos momentos difíceis que as amizades se solidificam.
Enfim, várias coisas conspiram contra quando se busca achar os companheiros ideais, tal qual achar uma namorada em condições de se tornar esposa. Só depois de muitas viagens, muitas tentativas, se tiver sorte, dá para escolher parceiros fixos que realmente sejam companheiros e confiáveis, numa relação em que haja um mínimo de sintonia de gostos de uma maneira geral. Exigir a perfeição seria querer demais.
Mesmo assim, com os passeios e viagens se sucedendo, ainda é preciso ir trabalhando as relações, um cedendo daqui, o outro cedendo de lá e aos poucos se cria uma convivência agradável e duradoura que trará benefícios mútuos, deixará muitas fotografias, momentos para relembrar com satisfação e alimentar a expectativa da próxima oportunidade de renovar e fortalecer esses laços de amizade. Comum ver relatos de amizades que nascem dessa forma e duram uma vida inteira, transportando-se da estrada para a convivência familiar.
Sempre gostei de viajar em grupo, por prazer e até por segurança no caso de quebra da moto ou até mesmo um pneu furado no meio do nada, mas muitas vezes fui sozinho para a estrada porque às vezes as agendas são inconciliáveis; quando podemos viajar, nossos amigos não podem ou quando eles podem, nós é que estamos ferrados no trabalho ou noutro compromisso, sem possibilidade de acompanhar a turma e acabamos ficando em casa na maior vontade e frustração.
Mesmo quando viajo só, sinto que nunca estou realmente sozinho, pois a moto apesar de tão discriminada atrai as demais pessoas e desperta nelas admiração e um pouco de inveja sadia pela sensação de liberdade que ela transmite. Seja lá onde for que se pare, sempre há oportunidade de conversar com pessoas e outros motociclistas que a gente encontra pelo caminho.
Contei aqui no meu primeiro “causo” que numa parada para abastecimento num posto de gasolina da BR-116, no Estado de Santa Catarina, encontrei o Comandante Rolim, aquele da TAM, também motociclista solitário, indo encontrar seus amigos que o aguardavam em Porto Alegre para de lá seguirem em grupo para o Chile. Se estivéssemos de carro, nem teríamos nos olhado e sequer aproveitado aquela meia hora fantástica que ficamos batendo papo. Nem preciso dizer qual foi o assunto que norteou nossa conversa.
No causo “Eita informação boa”, relatei que numa outra ocasião, viajando sozinho, encontrei uma turma com perto de 35 motos pequenas, de um motoclube de outra cidade. Estavam perdidos e os acompanhei por um bom trecho de estrada, até que nossos destinos se separaram por vias diferentes. Por algum tempo “troquei idéias” com alguns deles por e-mail. O motoclube já se desfez, basicamente pelos motivos abordados nos primeiro parágrafos desse texto.
Em ambos os casos, se morássemos na mesma cidade, talvez até pegássemos alguma estrada juntos e nascesse desse encontro ocasional uma sólida relação de amizade e companheirismo.
É como diz a letra da música Canção da América: “Amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves dentro do coração”, dada a dificuldade e o trabalho que dá fazer novos amigos de estrada.
Diria que é muito verdadeira essa feliz afirmação do Milton Nascimento, que nos convida a preservar e valorizar as amizades sinceras e sem cobranças.
Abraços e até o próximo causo.
O “motonauta” Mário Sérgio Figueredo participou do Moto Repórter, canal de jornalismo participativo do MOTO.com.br. Para mandar sua notícia, clique aqui.
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