Ao Longo do rio Tocantins

Reinaldo Baptistucci e Karin Birgit Stoecker fazem um panorama do mundo das duas rodas e suas propostas

Por André Jordão

 

Reinaldo Baptistucci e Karin Birgit Stoecker, mais que motociclistas e fãs de motos, são hábeis contadores de histórias e profundos conhecedores do mundo das duas rodas, sendo verdadeiros apaixonados por viagens e aventuras pelas rodovias do país e nações vizinhas.

 

Lama, muita Lama! Tempos atrás subir para Belém era uma tarefa dolorosa, e eu sozinho no meio do nada me fiz a tal famosa pergunta: “o que deu na minha cabeça para enfrentar tamanha pauleira”?

Ponte quebrada, caminhões atolados, chuva feroz, muito inseto e eu com uma 350 cc que a cada quilometro rodado ficava mais pesada – na verdade era eu quem já estava batendo pino.

Tocantins você vai ter que esperar, fica pra próxima, pois eu estou voltando! Desta vez não vai dar, desisti.

O Tempo Passou, mas não me esqueci do Tocantins.

Toca o Celular, estou com o Mapa Rodoviário aberto estudando as rotas das pequenas estradas que cortam Goiás e analisando melhor a BR 153, que atravessa o TO rumo ao Pará.

“Alô”; do outro lado da linha a Karin dispara: “Reinaldo, você está acompanhando o tempo na região”?

“Sim, está chovendo muito e as temperaturas já passaram dos 40 graus. Vamos derreter, mas vai ser inesquecível rodar por tantas estradas desertas.”

22 de dezembro de 2014

Bagagem amarrada, motos revisadas, pneus novos, ferramentas, duas garrafas de água e seis litros de gasolina. Visto a jaqueta, afivelo o capacete, monto na HD e dou partida, ela prontamente atende e do escape sai um barulho inconfundível. Ao meu lado a GS 800 entra no clima e mais uma vez espetamos a primeira e caímos na estrada rumo a Tocantins.

Dias antes alguém me perguntou: Por que Tocantins? E de bate pronto sugeriu: porque não Atacama?

Poderia sim ser para o Peru, mas eu francamente ainda não conheço todo o Brasil, embora já tenha rodado muito. E essa foi exatamente a resposta que eu dei, explicando com detalhes que nosso destino seria uma região que, por incrível que pareça, ainda não é muito divulgada e muito menos destino para muitos motociclistas.

No primeiro dia de estrada as coisas foram bem tranquilas, rodamos por rodovias paulistas e mineiras, asfalto impecável e pouco trânsito. As motos em perfeita harmonia e eu de olho no consumo de gasolina – a HD marcava entre 20 e 24 km/l e a BMW ficava entre 24 A 26 km/l. Fica claro que são equipamentos distintos e com propostas totalmente diferentes, mas mesmo assim seguimos cruzando estradas com velocidades em torno dos 100 km/h, ideal para quem não tem pressa de chegar.

Anoitece e nós encostamos para pousar em um posto de beira de estrada lotado de caminhões. Como já é de praxe muitos caminhoneiros vêm puxar assunto e a conversa rola solta, muitas perguntas e infinitas dicas de como estão as rodovias lá de cima.

O Natal se aproxima e ganhamos de presente uma Estrada Matadora. Era 23 de dezembro e estávamos prestes a atravessar Goiânia e Anápolis com destino a BR 153. Muito trânsito, chovia uma barbaridade e o povo das quatro rodas não dá a mínima para quem está pilotando moto; pistas ensaboadas de tanta lama que escorrega das encostas, trechos com alagamentos e carros transitando a 130 km/h. Tenho a sensação de que estamos sendo caçados, somos espremidos por todos os lados, lampejos alucinados de farol pedindo passagem dos que estão colados nas nossas traseiras. Damos passagem SIM, para evitar o pior, povo com muita pressa, passamos por VÁRIOS ACIDENTES.

No posto a Karin confirma o meu sentimento. “KARACA... tá todo mundo doido, pra que tanta pressa, pra que tanta barbaridade? Vamos encerrar por hoje, chega de dar mole para o azar... ok”? Paramos depois de tudo em mais um posto, o noticiário da TV da cobertura total aos acidentes fatais que vimos. Um absurdo e desperdício de vidas. Essa não é a nossa viagem e também não concordamos com esse modelo selvagem, resumindo: Somos Motociclistas da Paz nas Estradas.

BR 153 – BR 010 Belém Brasília

Placa de Palmas, a primeira avistada, estamos no caminho certo, retas infinitas. A estrada mais parece uma Cobra enorme que se esparrama sobre uma mata densa, pouquíssimo transito, motos na estrada então nem pensar, estamos sozinhos no meio de tanto verde, um presente para quem segue pela pista! Somos saudados por caminhoneiros que estão no trecho, sinto que a viagem só está começando, muitos kms nos aguardavam até o nosso primeiro destino.

Lajeado do Tocantins

Se você nunca foi vale o conselho: vá. É no mínimo surpreendente, não só pela imensa barragem que represa o Rio Tocantins, bem como a incrível falha geológica que se apresenta imponente. Um corte profundo na planície com direito a Vulcão extinto, nenhuma foto vai conseguir mostrar tudo e muito menos eu aqui escrevendo vou conseguir colocar em poucas palavras o que é o Lajeado, tem que ir, fica mais fácil assim. Encontramos uma pousada no Pé da Montanha com um nome no mínimo sugestivo: SEGREDO. E por lá ficamos por alguns dias para explorar a Região e, posso garantir, valeu cada minuto que passamos naquela Vila encantadora.

Segue a Viagem

Não passamos em Palmas, na verdade contornamos a capital com destino já traçado, seguiríamos para Brejinho e depois para as praias do Povoado de Peixe na beirada do Rio Tocantins. Um lugar mágico e um calor infernal, mas seria impossível reclamar, pois já sabíamos que nessa viagem passaríamos por regiões de temperaturas altas, afinal viajar no verão da nisso. Para suportar o calor muita água foi derramada em cima das nossas jaquetas de couro, prova é que a cada parada tomávamos banho com roupa e tudo, encharcados e pingando voltávamos para a estrada e por um tempo sentíamos alívio (30 a 40 minutos) até a roupa secar.

A Passagem

No Mapa Rodoviário de Tocantins essa passagem existe, mas como estariam as estradas? Nossa ideia seria atravessar pelo meio de TO e seguir para a Chapada dos Veadeiros (GO) e foi o que fizemos:

Peixe TO – Natividade TO – Conceição do TO – Arraias TO – Campos Belos GO – Teresina de GO – Alto Paraiso de GO – São João da Aliança GO. Pronto, a passagem foi feita e confesso que jamais vamos esquecer a paisagem com uma beleza nativa preservada e estradas perfeitas, sem trânsito nenhum e, como de habito, ficamos completamente sozinhos no trecho. Motocicletas e Motociclista na estrada, nem pensar, não vimos nenhum.

De Goiás para o Berço da Liberdade

Sim, a viagem ainda não tinha acabado. Pelo espelhinho vou vendo a estrada passar por baixo das rodas da minha HD, deixamos Goiás com destino às milhares de curvas que se debruçam esparramadas e tranquilas no meio das montanhas mineiras. Como já escrevi no passado Minas tem pão de queijo e muitas curvas e isso é a pura verdade, você cansa de deitar a moto e quando pensa que elas acabaram vem mais uma baciada delas pela frente. Depois de tudo, pousamos nossos pássaros em Tiradentes (MG), que, aliás, dispensa comentários, se você não conhece está perdendo um passeio incrível, vá e percorra a Estrada Real.

Nova Passagem

De Tiradentes seguimos para Passa Quatro e eu pude rever a estrada que no passado fiz e que agora estava mais uma vez rodando. Ela vai dar em Cruzeiro, mas antes uma parada estratégica na Pousada do Verde em Itanhandu (MG). Nosso tempo estava acabando, já estava na hora de voltar para Sampa e mais uma vez subimos nas motos e fomos em direção a Aparecida do Norte. Agradecimentos e velas foram acesas por termos conseguido viajar em Paz e termos tido o privilégio de rodar ao longo do Rio Tocantins.

Abraços aos irmãos estradeiros!


Fonte:
Equipe MOTO.com.br

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