Todos os anúncios Catálogo Digital Revista Digital Chat

custom

Na Estrada: Minha primeira vez

16 de February de 2018

 
Tiago Feliziani

A minha primeira experiência sobre duas rodas foi um fracasso . Em novembro de 1995 eu estava quase repetindo em Matemática . Precisava tirar no mínimo 8 na última prova para passar para o primeiro colegial.

Confira as ofertas para você e sua moto no Shopping MOTO.com.br  

Nessa época, aos 14 anos, eu queria muito duas coisas: em primeiro, uma mobilete; em segundo, passar de ano em Matemática . Sempre fui muito ruim em Exatas e é provável que os números que acabei de escrever estejam errados. Não me lembro se fui eu ou foi o meu pai que sugeriu uma aposta. Se eu passasse ele me daria a mobilete.

A relação entre pais e filhos na adolescência não costuma ser fácil e comigo não foi diferente . Meu pai foi meu professor de História da quinta série ao terceiro colegial, o que me permitiu estudar em bons colégios, mas a cobrança era enorme. Ele era um excelente professor e todos os alunos o idolatravam. Até hoje, em mercados, na rua ou na farmácia, pessoas das mais variadas idades chegam e dizem “Ô fessor, que saudade”. Eu também idolatrava o meu pai, mas mais do que isso eu o desafiava. Por isso eu queria muito vencer aquela aposta a todo custo.

Por isso, tenho certeza de que todas as minhas tardes trancado no quarto , fazendo contas, resolvendo equações e me dedicando valeram a pena: tirei 8,5. Nunca fiquei tão feliz e orgulhoso. Como o meu pai sempre foi um homem de palavra, no começo de dezembro ele me deu uma mobilete. Era uma Caloi usada, nas cores branca e vermelha.

Fomos de carro buscar a máquina na casa do vendedor . Lá, o cara me mostrou o funcionamento básico e disse que pilotar aquilo era igual andar de bicicleta. Subi na mobilete e meu pai veio me seguindo até chegar em casa. Então ele me deu apenas um aviso: se você cair com essa merda eu não vou te socorrer. Não sei se essas foram as palavras exatas, mas o conteúdo da mensagem era esse. Era dezembro, eu estava de férias e pronto para acelerar por aí.

Mais ou menos.

Depois de quase cair com a minha tia na garupa, escapar por um triz de bater em um Fusca e outras barbeiragens de principiante , enfim comecei a pegar as manhas. A máquina funcionava perfeitamente bem e eu sentia cada vez mais confiança nas minhas habilidades como piloto.

Três e pouco da tarde, 25 de dezembro. Convidei um amigo para ir até uma padaria próxima . Sem camisetas, só de bermudas e óculos de sol, seguíamos tranquilamente por uma grande avenida, curtindo o vento no rosto, conversando. Estávamos devagar e eu pilotava com prudência à direita da via. Não havia nenhuma pressa e nenhum carro ao redor.

Foi quando um Chevette branco , com um casal dentro, se aproximou e encostou ao nosso lado. O motorista nos olhou, não me lembro se falou alguma coisa para a companheira dele ou para nós . De repente, ele jogou o volante para a direita e nos acertou com força, derrubando o meu amigo, a mobilete e eu no asfalto. Ele não parou; eu parei no chão, com a mobilete sobre o meu corpo, o escapamento queimando o meu braço esquerdo.

Não sei dizer o que doía mais : sentir o corpo em carne viva ou ver a mobilete arrebentada e vazando gasolina. Como era feriado e não havia ninguém para pedir ajuda nem testemunhas, o jeito foi empurrar a mobilete de volta para casa , mancando, todo estropiado, e enfrentar a pior parte: encarar o meu pai. Se eu caísse com aquela merda ele não iria me socorrer, ele tinha dito. Meu pai sempre cumpria sua palavra.

Quem me socorreu foi a minha mãe . Ela me colocou dentro do carro e fomos até o posto de saúde mais próximo. Eu estava com raiva do meu pai e com ódio do motorista do Chevette branco. Eu só queria entender o por quê. Acho que foi pura maldade. Como sou ruim com números, não memorizei a placa do Chevette .

Claro que não havia médicos de plantão no posto de saúde no Natal de 1995 . Quem me atendeu foi uma enfermeira bem grande. Ela disse para eu ficar calmo porque tinha que limpar as feridas . Para isso, ela me enfiou embaixo de uma torneira de água fria e, com uma esponja cheia de detergente e sem nenhuma delicadeza, começou a esfregar para tirar o asfalto e a sujeira dos machucados. Desmaiei.

Quando acordei, estava com as duas pernas e o braço direito enfaixados, mais uma queimadura no braço esquerdo e escoriações no rosto . Ao chegar em casa, meu pai se manteve firme e não demonstrou qualquer arrependimento por não me socorrer. Será que pelo menos ele tinha se arrependido por ter feito aquela aposta comigo?



Recentemente o meu pai me mandou uma foto daquela prova que me fez passar de ano. Ele a guardou todo esse tempo . As feridas cicatrizaram rápido e em janeiro de 1996 o meu pai me fez trocar a mobilete batida por uma bicicleta . Voltei a pedalar com os amigos do bairro e continuei a apanhar dos números durante todo o colegial.

Já a minha segunda experiência sobre duas rodas foi um fracasso muito maior e tanto o meu pai quanto os advogados me fizeram prometer não contar isso a ninguém.

 

Tiago Feliziani nasceu em 1981 na cidade de Sorocaba/SP. É publicitário, redator, escritor e motociclista, e já caiu de tudo quanto é jeito.


 

 

 

Quer vender sua moto? Anuncie no MOTO.com.br! 

 

Os textos e fotos publicados no canal Moto Repórter são enviados por motociclistas e internautas, leitores do MOTO.com.br, sem compromisso profissional de estilo e padrões, apenas com o objetivo de compartilhar suas experiências e histórias com outros fãs do mundo das duas rodas. Participe você também do Moto Repórter, canal de jornalismo participativo do MOTO.com.br.  Envie sua notícia! 

Fotos: Arquivo Pessoal

Compartilhe esse anúncio