Uma nova experiência com o deserto do Atacama

Colunista aborda a viagem de moto como um método para superar os desafios e atingir os seus objetivos

Por Aladim Lopes Gonçalves

Oswaldo Fernandes Junior

Desde criança a paixão pela aventura, arrojo, liderança e confiança foram atitudes marcantes em meu desenvolvimento pessoal, tornando minha motivação à ferramenta para alcançar meus objetivos e idéias de vida.      Filho de pais austeros, mas onde o espírito de família e respeito foram pilares de construção, muito trabalharam para educação de seus filhos.   Aprendi que com trabalho e esforço barreiras são vencidas e sonhos são realizados.   Meus pais me ensinaram que tudo é possível com amor, dedicação e planejamento.

Os interesses pela tecnologia e espírito de empreender, fizeram minha opção de atividade profissional ser direcionada para diferenciais e desafios, que por opção profissional, para atingir os objetivos e resultados faz com que ações tornem-se frias e por muitas vezes pouco carismáticas, mas isto é a vida moderna e a busca de metas impostas em um mundo capitalista real.   A rotina de avaliação de metas, a qualificação de trabalho, competitividade, busca para melhores resultados são atividades diárias de empreendedores.  Logo aprendi que vencer é mérito de quem compete, perdedor é para quem não foi o melhor e desistir e a fuga para quem não se propõe a vencer.  Atingir  metas são para os idealizadores, não para desertores, pois a vitória é conquistada com inteligência, não com desculpas.

Fui apresentado ao mundo do motociclismo a pouco mais de 4 anos, e logo de início tornou-se meu lazer predileto, mais que isto, minha válvula de escape para a fuga mental, espiritual e física para os fins de semana.   Este mundo mudou muito em mim.  Mudou a forma de minha descontração, novos amigos foram bem vindos, novos conhecimentos e até trajes e palavras foram incorporados as novas atividades do mundo pseudo-selvagem e pseudo-rebelde das motocicletas.  É incomensurável como o mundo das motocicletas, fazem mudar os propósitos e ideais, pelo menos no final de semanas, de tantos adeptos destas adoráveis máquinas indomáveis. A paixão pelo aço, pelo ronco do motor, pelo vento no rosto, pelo sol e a busca pela liberdade fazem unir diferentes tipos de pessoas, independente de atividades pessoais e profissionais, independente do que fazem ou no que acreditam, para um único e raro momento de celebrar a independência da razão.

Aos quarenta e cinco anos reavaliei a bagagem adquirida. Que bagagem. Uma família exemplar, dois filhos maravilhosos, empreendedor, amigos, diversas viagens e muita saúde. Mas eu queria mais, sem querer ser egoísta, eu desejava ter mais, mais explicações que possa  me complementar.  A razão da vida por muitas vezes foi deixada de lado pela busca da materialidade, e neste momento eu buscava o algo mais da espiritualidade.  Esta busca gerou um novo desafio, e como sou movido a desafios resolvi buscar minhas possíveis respostas.

Depois de mais de vinte anos nesta odisséia pessoal, resolvi realizar um antigo sonho, conhecer as cordilheiras dos Andes, o deserto do Atacama.   Esta região sempre me despertou e cativou. Desde pequeno fui um entusiasmado pela história dos Andes, da cultura “Queshua” e “Incas”, pelo livro “Eram os deuses astronautas?”, pela música “El condor pasa” e diversas literaturas e reportagens desta selvagem região.

Quando resolvi buscar meu sonho pessoal, ir para o Atacama, trabalhei muito para conhecer, planejar, organizar e estruturar minha viagem.  A opção para ir sozinho foi uma questão pessoal, no sentido de propor um desafio pessoal e a busca por um momento de espiritualidade e respostas que tanto me indaguei.  

A opção para ir de moto foi feita pela avaliação de aventura e liberdade que a motocicleta pode proporcionar. Opiniões diversas e contraditórias foram direcionadas, eu a tudo escutei, muitos não atendi, mas muito aprendi sobre valores e verdades.   Sabia que esta viagem além de coragem e determinação exigiria muita dedicação, logística, preparo físico, cuidados médicos, equipamentos, conhecimento, preparo emocional, espiritual e saber que qualquer imprevisto poderia ocorrer e que deveria estar apto a mudanças e desafios.

No dia 25 de Dezembro de 2009 parti para minha grande aventura.  Com o coração embargado e pelo medo do desconhecido arrepios eram sentidos, mas movido pela adrenalina e o desafio que falaram mais forte, dei partida ao motor e para minha louca aventura. Ao acelerar, parto para um destino quase que incerto, mas cheio de razão, parto para o grande sonho de minha vida, para o meu sonho de liberdade e para meu retiro espiritual. A cada metro que transcorro, cada momento da preparação realizada são relembradas. Toda minha vida e pessoas que fizeram parte são lembradas.   Conselhos e energia são sentidos, sei que agora é meu momento e tudo isto foi desejado e agora deve ser comprido.   O coração bate forte, mais forte que o ronco do motor, o vento leva as lágrimas e o desejo de ficar para trás, e sigo meu caminho, olhando para frente, de cabeça erguida, acreditando na razão do que fiz e no que tenho por fazer, e que maior que o desejo de fazer esta viagem, é voltar para os que deixei.

A viagem é longa e cansativa, algumas vezes árdua, mas nenhuma vez deixei meus ideais de lado. Chuva, sol, estradas sinuosas e desafios são deixados para trás, e aos poucos fui me renovando pelas pessoas que acabo conhecendo, pelos incentivos e curiosidade que a motocicleta desperta e por revelar minha viagem aos recentes amigos.  A moto cria um “elo de ligação” com muitas pessoas, muitas vem conversar, dar idéias, sugestões ou até despertar um momento de interação independente de raça, crença e idade.   Ao desbravar as estradas muitas pessoas que encontrei acenam,  esboçam um abano de mão ou no mínimo um curto sorriso no canto do rosto.  Á moto proporciona um momento mágico de interação, onde a liberdade do sonho de cada um é consternada, proporcionando novos amigos em minha jornada.

Após alguns dias me aproximo de meu objetivo, a cordilheira.  É algo novo, diferente, surpreendente e ao mesmo tempo assustador.  Ver a cordilheira de frente, com a exuberância de sua formação, a beleza de cores e sobriedade é algo temido, mas digno de meus sonhos.  Ao percorrer cada metro de subidas íngrimes, cheias de curvas vicinais, sinto o perigo más a certeza de meu ato é maior.  O mundo vai mudando a minha frente.  Sigo em frente por horas e dias, me surpreendendo a cada curva, a cada rocha, a cada vulcão.  O mundo vai se modificando a minha frente.  É lindo.  As sensações diferentes são experimentadas e vencidas, baixas temperatura, elevadas altitudes, terras áridas, poucas plantas, pouca vida.  Um mundo onde pouco, significa muito.  O calafrio do vento, a solidão do deserto,  a imponência do sol, a beleza da lua, a magia da dunas de areia e pedras me fazem rever valores.  Um mundo de paisagens desérticas, fauna e flora exóticas, hostil a primeira vista, simples ao modo de ver, mas complexo de entender. 

A planície andina é impressionante. Faz me avaliar que jamais estive sozinho no mundo.  O Atacama me faz entender que solidão somos nós que criamos.  Tudo isto que estava presenciando, um mundo real, que eu jamais sentira, estava na minha frente.  Este mundo estava separado entre eu e ele, por uma única viseira.  A solidão era algo em que eu me propunha para os meus sentimentos, e que agora foram libertos, pois o Atacama me amparava com sua serenidade.  Este momento foi mágico, nunca senti meu Deus tão perto de mim. Meu Deus é verdadeiramente onipotente e presente comigo, me fazendo ser forte confiante, vejo o caminho a ser seguido e tudo que o Atacama tem a me mostrar.  

O Atacama me mostra pela sua generosidade que nada tenho, mas o que posso e como devo usufruir.  A idade do Atacama me revela quem é dono do que, pois a milhões de ano o Atacama já tinha sua vida, e vai continuar por muitos outros milhares a mais que a minha.  Ao passar pelo deserto de sal deixo uma pegada e reflito sobre a imagem em relevo que do sal exalta, aprendo que nada é para sempre, pois em breve, a força do vento irá dar fim aquela breve marca de minha passagem. A areia me faz repensar da minha origem e meu destino. A umidade é baixa, faz com que meus lábios rachem e sinta a dor, é o sentimento da vida.  A dor  me fez rever a fragilidade do ser humano. É interessante ver que só sabemos que tudo não esta bem quando sentimos dor.

Apesar do medo e admiração de um novo universo que eu vislumbrava, me escondia timidamente dentro de meu capacete.   Eu estava vulnerável ao novo mundo, sentia perder a proteção e segurança , aos poucos fui me soltando, aceitando as diferenças, acreditando e deixando com que barreiras fossem destruídas.

Momentos depois sorria de felicidade, espantava pela grandiosidade, assustava pelo desafio, chorava de emoção, sensações que se alternavam à todo momento, onde pilotar, conhecer e sentir o Atacama eram tarefas praticamente impossíveis de serem feitas simultaneamente.

Durante minha jornada conheci muitas pessoas pelos lugares que passei.  Nenhuma perguntou o que eu fazia ou o que tinha, mas muitos se propunham em ajudar e saber um pouco da minha viagem, diziam ser um ato corajoso minha viagem solitária e por muitos a receptividade e acolhimento por pessoas que jamais tinha me correspondido.  Realmente vivi momentos maravilhosos que ficam guardados com enorme gratidão.

Depois de rodar milhares de quilômetros, centenas de montanhas, dezenas de vulcões, intermináveis retas e infinitos pensamentos, chego a avistar o mar do oceano pacífico.  A visão do mar entre as montanhas da cordilheira é exuberante.  Sinto o renascimento da vida ao ver o azul do infinito, fazendo o céu e o mar se unir no horizonte.  O sentimento de recomeço e vida é muito forte.  Percorri alguns milhares de quilômetros entre montanhas e costa do pacífico.  A cordilheira é gigantesca. Ao chegar ao meu último ponto de destino do pacífico, faço a volta e retorno pelo trecho sul da cordilheira, com um visual mais rico de fauna e flora, com um frio mais intenso e com a imagem em meu retrovisor do Aconcaguá marcando meu ponto final de travessia das cordilheiras. 

O deserto do Atacama ficou para trás, mas seus ensinamentos me fizeram revalidar valores e ideais.   A cada dia que acordo sei que sou abençoado pelo amanhecer. A cada metro percorrido senti a grandiosidade do universo. A cada entardecer o acolhimento e reflexão do passado, que muito faz meu presente mudar.   Em nenhum momento me senti só. Pelas manhas e tardes podia ver minha sombra ao meu lado, era como se fosse um acompanhante me guiando, sempre presente, me fazendo refletir sobre meu destino, não me fazendo pensar na solidão.  Meu Deus à todo momento estava comigo, senti sua enorme energia me guiando e orientando pela minha viagem.   Sei que poucos puderam sentir tamanha força e sou grato a este grande momento de minha vida.

Tudo isto me faz refletir sobre a importância e razão da vida, o amor por meus pais, a gratidão por meus filhos, a generosidade de pessoas e a grandiosidade de meu Deus.

Agradeço aos meus amigos pelo apoio e incentivo. Agradeço aos novos amigos que esta viagem me proporcionou.  Agradeço a minha família pela paciência e preocupação.  Dedico e homenageio à meu pai e minha mãe, que muito abdicaram de suas próprias vidas para a criação de seus filhos.   A meu pai ressalvo minha gratidão pela perseverança ao propósito de valores e referências de minha vida.  A minha mãe declaro minha idolatria por sua eterna paciência, generosidade e amor pelos filhos.  Mais que um desafio pessoal em planejamento, estratégia, conhecimento, físico, emocional e espiritual, esta viagem me proporcionou muita aprendizagem e revalidação da importância aos valores pessoais. A todos que me acompanharam nesta maravilhosa experiência de vida, meus sinceros votos, que o Atacama lhes abençoe.

Nunca é tarde para a esperança de vida, viva, toda vida tem um fim. Desfrute, aproveite os grande momentos, são os que ficaram em nossas lembranças.  Sinta a vida.

É isto aí, nos vemos pelas estradas.

Oswaldo Fernandes Junior é consultor de pilotagem, segurança e resistência da Omno (www.omnoweb.com.br) e diretor-técnico da CBM (Confederação Brasileira de Motociclismo) para provas de Moto-Turismo e resistência. Fez diversos cursos nacionais e internacionais. Para ele, moto e estrada é uma combinação mais que perfeita.


Fonte:
Equipe MOTO.com.br

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