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Reinaldo Baptistucci

TIETÊ: ÁGUA VERDADEIRA

31 de July de 2012

Reinaldo Baptistucci

Parado no trânsito e sem condições de andar para frente, em plena Marginal lotada fico olhando o rio que esta a minha esquerda, ele corre estranho, na verdade não da para perceber a correnteza, o fluido escuro e espesso lembra óleo 90, esse mesmo, que eu uso no Cardam da Guzzi, incrível a situação de desperdício e abandono, parece mesmo que ninguém está muito preocupado com o tal rio, na verdade ele esta ali por que sempre esteve ali, muito antes do bicho homem chegar ele já estava ali e já passava por ali caudaloso e cristalino, lembrei na hora do meu pai.

5:30 da manhã, em meados da década de 30, meu pai salta da cama rápido pega o embornal e sai de casa, o bonde vem vindo naquele molejo lento e constante, a cidade está em festa, e muitos como ele já estão preparados para mais um grande desafio, rádio e repórter dos jornais se amontoam nas barrancas do Rio Tietê, em mais alguns minutos será dada a largada para a grande  Prova da Travessia de São Paulo a Nado, o rio está “qualhado” de barcos, a organização da prova faz a contagem regressiva, a população se acotovela ao longo das margens para ver os nadadores passarem, entre os atletas esta um de nome famoso João Havelange, a prova é difícil, a água doce do rio é gelada e a correnteza tem suas manhas, não bastava saber nadar bem, precisava também entender e ler as nuances sutis das curvas suaves e da proximidade dos barrancos, um desafio e tanto e um troféu sonhado por muitos nadadores de peso que compareciam para tentar no fim de tudo levantá-lo no mais alto lugar do pódio. Meu Pai conhecia bem o rio Tietê, no trecho da cidade, virava e mexia ele ia pra beirada do Tiete praticar Remo ou mesmo pescar, mas o tempo passou, ele se foi, e com ele as águas que molharam meu pai e outros esportistas também, hoje o Tietê chora de saudades daqueles tempos festivos, mas definitivamente o Tietê ainda não morreu.

Nossa visita à Salesópolis, bem como, pegar uma estradinha de terra até a nascente do rio Tietê foi por um motivo singelo, quem sabe agora, nesse exato momento em que o mundo todo está com os olhos voltados para o rio Tamisa (UK), que no passado era tão ou mais poluído que o nosso Tiete possa de alguma forma reacender a tocha olímpica desse curso de água que na contra mão de tudo e por um capricho da natureza teima ainda em correr por mais de 1000 km (sereno) para o interior do Estado de São Paulo.

Maria Lenk comentou certa vez: as provas mais longas aconteciam no trecho do rio que atravessava a cidade. A mais famosa era a Travessia de São Paulo a Nado, que foi criada, em 1924 pelo jornalista Cásper Líbero, o mesmo que criaria depois a Corrida de São Silvestre, em 1925. Por causa da poluição, a Travessia de São Paulo a Nado foi extinta em 1944. João Havelange participou e ganhou a travessia em 1935 e 1936.

Karin Stoecker

Imaginem um dia lindo de julho e nós com muita vontade de conhecer a nascente do rio Tietê. Desta vez a viagem já começa no sábado, pois o estresse da saída de Sampa ficou para traz na sexta-feira. Que privilégio, sair de Igaratá e pegar estrada boa e livre. Tanque cheio, hodômetro zerado, pneus calibrados, corrente engraxada, baú preso com a aranha (nunca se sabe ... se cair tá preso) e “din-din” separado para o pedágio! Na Carvalho Pinto passando Jacareí, entramos para Sta. Branca e Salesópolis.  Esse município surgiu durante o período colonial, no cruzamento de duas rotas comerciais que ligavam São Paulo e Jacareí ao Litoral. Possui uma área de 427 km2, sendo 98% de seu território protegido pela Lei dos Mananciais, conhecido como “Berço do Tietê”.

Ao chegarmos em Salesópolis, depois de rodarmos por uma estradinha cheeeeeiiiaa de curvas deliciosas,  fomos surpreendidos por várias comitivas (de cavalos e  de mulas). Todos enfeitados para a festa do divino. Fecharam o acesso na entrada da cidade e pudemos fotografar. Fico entusiasmada ao ver costumes como estes sendo passados de pais para filhos. As crianças orgulhosas e felizes em seus pôneis acompanhados das mães e dos pais, todos bem montados! Como nós em nossas GS e Guzzi!

Quando todos haviam passado, subimos em nossas meninas (forma carinhosa de chamarmos nossas motos) e seguimos à nascente do rio Tietê! Seis quilômetros de estradinha de terra, sem susto e sem problemas, passando pela mata fechada e por fazendas, podendo sentir as oscilações de temperatura, a umidade e os cheiros no vento. Moto tem esse encanto! Chegamos ao parque na nascente! Esse caminho de terra também oferece opção de seguir até o litoral caindo em Caraguatatuba! “Só isso?” - comentei com o Reinaldo. “Que delicia de estradinha, quanta coisa linda pra ver!”. A entrada no parque custa apenas R$ 3,00. “Quero muito fazer essa estrada um dia e seguir até o litoral!”, comentei com meu parceiro.

Caramba! Pude conhecer o rio Tietê, que até então só conhecia sujo, fedorento e sem vida em São Paulo. As pessoas mais velhas juram que ele já foi limpo, e eu acredito! Um rio que corre de leste a oeste para o interior de São Paulo, que não desemboca no mar apesar de nascer há 22km do litoral na Serra do Mar - é no mínimo especial! Água cristalina brotando, nascendo do fundo da terra e que passará por tantas cidades até desembocar no Rio Paraná. Um Rio que nasce, morre ao passar pela grande São Paulo e literalmente ressuscita lentamente depois de Santana do Parnaíba (nossa velha Estrada dos Romeiros – aliás, outro passeio interessante ao longo desse Rio até Itu).

Encantada com o Parque Nacional do Rio Tietê, seu pequeno museu e toda natureza, traço um paralelo. Nascemos puros, nos deixamos contaminar ao longo da vida com frustrações, tristezas, estresse, insatisfações, mas sempre temos a chance de recuperar toda alegria e inocência de uma criança. Viver bem, em paz ... estrada afora!

Tietê em Tupi significa: água (Ti) verdadeira (Etê) e é como o prazer de andar de moto. Verdadeiro e transparente como a água limpa de uma nascente.

Reinaldo Baptistucci, mais que um motociclista, contador de histórias e profundo conhecedor do mundo das duas rodas, é um verdadeiro apaixonado por viagens e aventuras pelas rodovias do país e nações vizinhas.

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