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Reinaldo Baptistucci

Relato: Perigos que nos trazem amizades

16 de October de 2009

Reinaldo Baptistucci

Tem um caminhão enorme na minha frente, carregado de toras de Madeira, com a pista irregular a carga oscila perigosamente na traseira do bruto, o trecho é sinuoso e em declive forte, estamos descendo uma pequena serra e o fluxo de veículos intenso, impossibilita a ultrapassagem.

Das rodas traseiras do carregado sai uma fumaça branca com cheiro forte de lona queimada, que deixa a minha boca seca e me faz enjoar, garoa forte e a pista esta um verdadeiro sabão. Já está anoitecendo e estou a horas pilotando com temperatura baixa e bem protegido, mas mesmo assim um calafrio corre pela espinha .

Colado na garupa da moto outro bichão me acompanha na trajetória indigesta do percurso, estou encaixotado entre dois bruta montes sem alternativa de me livrar da situação, pois a pista é estreita e sem acostamento. Seguimos os três , pirambeira a baixo com um asfalto pior que estrada de fazenda, e por mais que eu tente não consigo desviar de todas as panelas que chegam rápidas e sem aviso.

Impressionante também é o barulho que se espalha pela pista, a lona rangendo na panela de freio se torna um assobio longo que me lembra os carros de boi mineiros, uma cena e um som que por muito tempo ficou espetada na parede da minha memória, nada glamurosa, mas muito perto da realidade de quem se aventura a rodar pelo país.

Sem sucesso, tento mais uma vez ultrapassar e não consigo, percebo pelo espelhinho que o caminhão de trás esta com serias dificuldades e, antevendo o problema, o caminhoneiro mete a mão na poderosa buzina e o berro ecoa no meio do vale, um aviso e uma mensagem cifrada que chega pela placa no canto da pista, posto a 500 metros, uma eternidade, ligo a seta pra direita e com o braço esquerdo sinalizo a minha intenção, vou entrar vou entrar...

Para a minha surpresa entram os três, o das Toras atravessa o posto igual a uma flexa e alicata lá do outro lado levantando muita poeira. Eu passo rente à bomba de gasolina fugindo do bruto que vem na minha cola, que também já estava quase sem freios. Numa manobra única ele dá um cavalo de pau na área do estacionamento, nessa altura o posto esta alucinado e dá para ver o corre, corre dos frentistas tentando por ordem na casa.

Três cafés e a mesma história pra contar, Jesus, o das toras, nascido em Santa Maria (RS) era carreteiro de longa data, José, o da busina, vinha de Cristalina (GO), levando carga para o Rio Grande (RS) e eu que rodava pelo Sul estava voltando para São Paulo.

De Jesus e de José fui presenteado com duas imagens da Virgem que foram levadas por mim até Aparecida do Norte em um inesquecível dia 12 de Outubro. O tempo passou e três anos depois estacionado em um posto em Barreiras (BA), alguém dá um toque suave em meu ombro e faz uma pergunta - Você foi pra Aparecida? - era José, nesse dia falamos via radio com Jesus que rodava pela Bahia. Por bem ou por mal as estradas nos fazem e nos trazem companhia. Abraço à todos.

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