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Reinaldo Baptistucci

Os elos da corrente num encontro de motos

24 de April de 2009

Alô, quem fala? Do outro lado da linha o silêncio era absoluto. Insisto de novo: “Alô, aqui é o Reinaldo, estou ligando para saber se vocês têm notícias do Mario, ele já era para ter chegado aqui no Mercado Modelo, em Salvador, e até agora nada. Vocês têm notícias dele?” Nossa base em São Paulo não passava a informação.

A conversa continua: “Já estou há um dia esperando o Mario e até agora ele não apareceu , avisa que eu estou subindo para Maceió e que ligo amanhã à noite. Aproveite e passe a informação de que está tudo bem comigo e com a moto, boa noite”.

Desliguei com a pulga atrás da orelha, sabia de longa data que meu amigo gostava de enrolar o cabo principalmente nas estradas, mas em se tratando de viajar na Rio-Bahia-BR 116 o lance era bem outro, pois o fato de você ter muitos buracos, pista sem acostamento e grande fluxo de caminhões tornava a tarefa de andar forte quase impossível e extremamente arriscada.

Na noite seguinte, ligo de um posto já bem próximo de Maceió e o pessoal de São Paulo dá a notícia: meu parceiro de estrada tinha entrado de madrugada na traseira de um carro que circulava com as luzes apagadas e o acidente tinha sido fatal.

Sexta-feira, 17 de abril de 2009, meia noite, engato a primeira e saio do posto já tanqueado com destino à Araçatuba. Na estrada vou lembrando com tristeza da situação que passei há muito tempo e, com certeza, por ter acompanhado também por meio do noticiário o infeliz e trágico acidente ocorrido na Rodovia Anhanguera, e fico me questionando: será que precisa, será que o motociclismo vai enfim ter que sempre e para sempre andar na beirada do absurdo, será que a motocicleta foi feita para isso, será que ela deixou de ser um meio para definitivamente se tornar um fim.

Amanhece e estou parado em um posto de gasolina, quando chega e estaciona bem ao lado da Suzy um carro da Patrulha Rodoviária. De longe fico observando a cena, os dois oficiais olhando a moto em detalhes. Chego junto e logo vou informando: “É uma custom pesada, tem um V2 de poucos cavalos é de pilotagem delicada, mas muito confortável”. “Documentos da moto e carteira de habilitação”, foi a resposta deles.

Após a vistoria minuciosa, saio para a estrada com a sensação de que um divisor de águas se estabeleceu. Talvez essa medida drástica de fiscalizar independente da moto que você está pilotando, seja necessária e faça com que as coisas entrem no trilho da normalidade.

Mega Moto Fest, lá vamos nós! Na entrada de Araçatuba paro mais uma vez para tanquear, o frentista dá boas vindas e comenta que a cidade está em festa. Ele informa também o caminho mais fácil para chegar na porta do  evento.


Na avenida Brasília, o trânsito de motos é intenso, além de multicolorido, cheio de cromados e bem organizado. Saio do posto e sou ladeado por mais uma penca de motos, dos mais diversos estilos: speedys, big-trails, streets e customs. Passam dois triciclos com as sirenes acionadas, o trânsito para e muita gente na calçada acena e fica olhando o trem passar.

É uma sensação única, no meio de muitos sou mais um que de alguma forma tem o privilégio de estar vivendo aquele momento com total descontração. Um presente da cidade para os que como eu vieram de longe para participar de um encontro programado com carinho pelo Leo e Mariana Javarez.

Anoitece e o povo das duas rodas não para de chegar, a área reservada para estacionar as motos lota, tem gente por todos os lados. Lá no palco enfeitado com as luzes do arco íris o rock rola solto, nas barracas de alimentação o pessoal é servido com sorrisos e incrível a estrutura montada para receber com dignidade a todos que foram pousar suas parceiras de estradas. Mas faltava alguma coisa, um toque de mestre, quem sabe.

Sábado, meia noite, a multidão se aglomera na frente do palco que está às escuras. Um sólo de guitarra surge do nada invadindo o espaço, as luzes se acendem e os Titãs estão ali, a poucos centímetros da plateia, que não deixa por menos e aplaude com autentica emoção.

“O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído”. A letra da música Epitáfio é reveladora e mudou drasticamente a vida e o dia a dia dos Titãs. Ela foi feita antes da morte do guitarrista Marcelo Fromer, que foi atropelado por um motociclista em 2001.

Voltei para São Paulo no domingo, pensativo. Cheguei à conclusão de que o Mega Moto Fest foi muito mais que um encontro para atrair milhares de pessoas e uma quantidade enorme de motociclistas. Ele foi, na verdade, uma ferramenta útil que serviu para unir com precisão os elos da corrente.

Por Reinaldo Baptistucci

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