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Reinaldo Baptistucci

Bons tempos e bons ventos - Parte 2

04 de June de 2012

Reinaldo Baptistucci

Pela visão de Karin Sampaio, minha parceira de viagem, a aventura pelas Chapadas continua.

Finalmente iria realizar a viagem tão desejada. Depois de várias pequenas aventuras a G 650 GS se lançaria de cabeça numa experiência nova, porém muitas dúvidas pairavam, além da ansiedade quase incontrolável de não pensar na volta era o que mais me fascinava. Mas e a pessoa que seria meu parceiro? Será que ele é tão experiente? E eu? Será que teríamos a mesma tocada? A mesma resistência? A mesma responsabilidade? De qualquer forma eu teria que ser parceira! Como no mergulho em dupla. Era o que passava pela minha cabeça!

Logo no primeiro dia rodamos 700 km, saindo de Igaratá (SP) rumo ao nordeste, mas com parada ainda no Estado do Rio de Janeiro. Desci da moto e tudo começou a girar. Será labirintite? Vai passar! Fui ao toalete me refrescar, pois o calor era infernal. Nada de melhorar. Que situação, a viagem mal começou! Mas o cara da GUZZI logo percebeu que eu não estava bem e propôs acharmos um lugar para pernoitar. Os frentistas nos informaram que logo ali havia uma pousada. Reinaldo levou as duas motos e eu fui a pé. Estávamos no BR 101 RJ no dia 24/12/2011 e só nós estávamos na pousada Sta. Luzia com terraço para a Guzzi e a GS. Passei a noite me hidratando e tomando vários banhos frios (na verdade era desidratação) e para minha alegria eu estava ótima no dia seguinte, animadíssima para prosseguir!

Durante o café da manhã meu parceiro sugeriu conversarmos sobre o que fazer daqui pra frente. Decidimos aumentar o número de paradas. A cada 150 km pararíamos para tanquear e nos hidratar. A cada parada eu molhava a cabeça e o ombro, até que o RB dando risada e ao mesmo tempo preocupado com a situação sugeriu colocar um lenço molhada no pescoço. Que diferença!

A cabeça fresquinha separada do calor do corpo. O bem estar que essa dica proporcionou valeu o resto da viagem, pois enfrentamos temperaturas bem altas, em torno de 40 Graus. Mas a frase que eu mais gostei foi: “Karin, não se preocupe! Não temos pressa! Estamos viajando de moto! Chegaremos em Camamú em um, dois ou três dias! Sem estresse!” Que alívio! Meu parceiro era tranquilo, experiente, calmo e zeloso. Não poderia ter sido melhor.

Seguimos viagem passando por Vitória (ES), e o GUZZEIRO, que conhece todas as pousadas e hotéis ao longo da estrada, escolheu uma. E nesse posto tive o prazer de conversar com um senhor que me contou toda sua vida dura de imigrante, incluindo o motivo pelo qual ficou com a perna doente - picada de cobra, disse ele. Meu parceiro de estrada pediu para que eu falasse em alemão com esse senhor. Duvidei mas arrisquei! Seus olhos brilharam, um enorme sorriso se abriu e ele não parava mais de falar. Foi uma troca riquíssima de informação! E eu com toda corda, me sentindo super bem e feliz por estar na estrada com uma pessoa tão descomplicada e calma.

Nosso entrosamento na estrada foi natural e rápido. Respeito total um pelo outro em todos os sentidos. Ele cuidando de mim e eu dele. Pilotando com cuidado na estrada, um avisava ao outro dos buracos, manchas de óleo, desníveis no asfalto, bois e cavalos na pista e assim fomos alternando o posicionamento. Ele à frente e às vezes eu! Passei a gostar muito da brincadeira, e a cada quilômetro percorrido crescia dentro de mim uma vontade de mais. Saber que no dia seguinte iria subir novamente na moto me animava a acordar super cedo, sem cansaço. Nossa primeira relaxada mesmo foi em Canavieiras (BA). Que lugarzinho lindo! Presenteamo-nos com 2 dias de preguiça. Sol, praia, construções de 1890 que lembram muito Paraty e gente bacana.

Seguimos pela bucólica BA 001 repleta de coqueiros e belíssimas praias até Camamú, onde deixamos as nossas Guzzi e GS num galpão de um amigo do Reinaldo, Mestre Zé Lito! Com um barco de linha fomos de Camamú á Cajaiba. Poucos conhecem Cajaiba com exceção dos entendidos em construção de escunas, saveiros e barcos em madeira de qualquer tamanho, já que os maiores mestres da construção naval desse tipo de embarcação moram e trabalham nesse simpático vilarejo que nos remete ao colonialismo. É história viva, passada de pai para filho. Cada um tem seu ofício e é especialista no que faz. E todos juntos constroem escunas e saveiros – verdadeiras obras de arte. Tudo feito à mão usando apenas serras, machados e outras ferramentas manuais para auxiliar no trabalho. As mulheres são mães zelosas e a família é o maior bem.

Já no barco de linha me chamou a atenção como esse povo é criativo. Tudo que se possa imaginar eles transportam nessa embarcação que mais parece um imenso ônibus aquático. O trecho até Cajaiba é lindo. Mangues, praias, ilhas, água azul, barcos indo e vindo, pássaros, etc. e tudo isso do lado de dentro da península de Maraú. Passamos uns 4 dias velejando pela região, ancorando principalmente em frente à Ilha do Sapinho, onde um povoado hospitaleiro nos recebeu com carinho e comida boa. Foi difícil a despedida dos amigos de Cajaiba, mas nossas motos já estavam com saudade da estrada. Reinaldo e eu estávamos eufóricos para voltar a rodar e fomos à Itaparica Velha.  Aproveitamos a festa da cidade que comemorava no dia 7 de Janeiro a expulsão dos holandeses. Tivemos sorte em achar uma pousada, pois a cidadezinha fervia.

E como tinha que ser, a dona da pousada era sul africana. O casal fez da casa do avô uma pousada bastante original. Muitas fotos de pesca submarina com arpões antigos enfeitando as paredes da recepção. No jardim, enormes arvores frutíferas, muitos pássaros, saguis e nossas motos bem guardadas. Uma constante preocupação! Duas pernoites ótimas e uma saída tumultuada. A nossa anfitriã perdera a hora e não havia como sair da pousada toda trancada. Claro que com isso perdemos a balsa que nos levaria para Salvador, a famosa Ivete Sangalo.

Nessa hora só nos restava conversar com outros motociclistas e tomar um café. Passando por Salvador, ainda cedo com trânsito tranquilo seguimos viagem pela costa até Estância (SE). De lá resolvemos voltar e entrar para o interior da Bahia, Chapada Diamantina, nossa próxima parada. Que emoção! A paisagem muda tão abruptamente que me fez desacelerar para poder apreciar as cores vivas da caatinga. Uma vegetação mais rasteira, espinhosa, seca com arvores baixas.

Uma região com gente sofrida que contrasta com a natureza mais exótica que já vi. Pouco posto, ou seja mais atenção com a quilometragem a ser rodada e para maior segurança levavamos mais 9 litros de gasolina. Nossas motos com autonomias diferentes uma da outra foram super bem. Encontramos vários viajantes em suas motocicletas com os quais trocávamos informações preciosas sobre as condições das estradas, o tempo, as distâncias e histórias de cada um. Eu, cada vez mais apaixonada pela minha GS e não querendo outra vida, me empolgava com esses encontros nos postos de gasolina.

O calor continuava infernal, mas o lenço molhado no pescoço foi tudo de bom! Chegaríamos em Lençóis para aproveitar a cidade e as belezas da região.  A região é tão linda que não saberia descrevê-la a altura, por isso só vendo ao vivo e a cores! Surtei, não queria mais voltar à São Paulo. E foi então que Reinaldo com toda aquela calma de monge me disse: “Mas Ka, na verdade você não está voltando, você estará sempre viajando se quiser!” Que palavras sábias. Fomos então à Chapada dos Veadeiros (GO) e ficamos em Alto do Paraíso. No posto da cidade paramos as nossas meninas, (é assim que chamamos carinhosamente nossas motos), pedimos algo para beber ao som de Led Zeppelin “Stairway To Heaven”.

Chagávamos ao Paraíso de moto!

Que Brasil é esse? Cheio de contrastes, cheiros, sabores, cores, comportamentos tão diferente de estado para estado, valores, solidariedade, riqueza, miséria, excesso e falta de quase tudo! Não quero terminar minha viagem em São Paulo. Prefiro deixar aqui meus agradecimentos ao meu parceiro de estrada: Reinaldo. Juntos pilotamos debaixo de sol e chuva, rodamos por estradas boas e perigosas, ultrapassamos caminhões carregados, sempre compartilhando comentários e diferentes pontos de vista, me lembrando de zerar o hodômetro a cada tanqueada e de engraxar a corrente a cada 400km. Um motociclista em todos os sentidos!

Reinaldo Baptistucci, mais que um motociclista, contador de histórias e profundo conhecedor do mundo das duas rodas, é um verdadeiro apaixonado por viagens e aventuras pelas rodovias do país e nações vizinhas.

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