História das motos no Brasil: da Xispa às clássicas modernas
Se você pilota ou acompanha o mundo das duas rodas no Brasil, já percebeu: nossa história é feita de ousadia, reinvenção e muito ?faz acontecer?.
Por Ana Farias
Por Ana Farias
Se você pilota ou acompanha o mundo das duas rodas no Brasil, já percebeu: nossa história é feita de ousadia, reinvenção e muito “faz acontecer”. Da criatividade das primeiras marcas nacionais às gigantes globais que produziram aqui, passando pelo nascimento de uma cultura de moto que hoje mistura trabalho, lazer e estilo, o caminho foi intenso. Neste passeio, a gente volta no tempo — lembra da Xispa? —, cruza a criação da Zona Franca de Manaus e acelera até as clássicas modernas que invadiram as ruas com nostalgia e tecnologia.
Antes das linhas de montagem ficarem grandes, o Brasil teve um período de soluções caseiras, montagens locais e pequenas fabricantes. Era o tempo de adaptar tecnologia importada à realidade daqui. Um símbolo desse momento foi a Xispa, lançada pela Brumana & Pugliese em 1973, uma motoneta de projeto nacional que usava base mecânica da Lambretta 150, mas chassi e desenho próprios. O modelo virou peça cult justamente por tentar “tropicalizar” a ideia de mobilidade leve com sotaque brasileiro.
A Xispa teve várias versões (inclusive para frotas públicas) e entrou para a memória afetiva de muita gente. Ela representa uma fase em que pequenas empresas experimentavam formatos e, principalmente, sonhavam com uma indústria de motos feita aqui, mesmo com limitações de escala e de acesso a componentes. Relatos e acervos de entusiastas ajudam a manter viva essa história e mostram como a Xispa se tornou um ícone de um Brasil inventivo.
A década de 70 muda tudo. As motos passam de nicho para solução real de mobilidade — mais baratas, econômicas e ágeis para o vai e vem da cidade. Nesse cenário, a Honda inicia a venda de motos no país em 1971 e toma a decisão estratégica de produzir localmente. Em 4 de novembro de 1976, sai de Manaus (AM) a primeira moto Honda fabricada no Brasil, marco que inaugura décadas de liderança e escala. A protagonista dessa virada foi a CG (que começaria como CG 125), referência de robustez e economia.
Por que Manaus? A Zona Franca de Manaus se torna o grande polo industrial de duas rodas, com incentivos e logística desenhados para atrair montadoras. Lá, a Honda constrói uma operação que crescendo ao longo dos anos atingiria 30 milhões de motocicletas produzidas no Brasil (marco celebrado em 2024 com uma CG 160 Titan saindo da linha), ilustrando a importância da produção local para abastecer um dos maiores mercados de motos do mundo.
Não foi só a Honda. A Yamaha também reforçou presença industrial e competitiva por aqui, com produção que remonta aos anos 1970 e que ajudou a sedimentar o ecossistema nacional de fornecedores, mão de obra e tecnologia. A combinação “fechamento/controle de importações por longos períodos” e “incentivos regionais” acelerou a nacionalização do setor.
A moto vira companheira de trabalho e de vida. O crescimento das cidades, o custo dos carros e o trânsito adensado colocam as duas rodas como resposta lógica. Multiplicam-se oficinas independentes, clubes, encontros e um jornalismo especializado forte que educa o consumidor. Ao mesmo tempo, a produção local amadurece, as linhas se diversificam (street, trail, cub, scooters) e a ideia de revisão oficial + manutenção cotidiana vira hábito. É a base do que ainda vemos hoje: moto como ferramenta e como estilo.
A partir dos anos 2000, o mercado abre espaço para novas marcas e joint ventures. Em 2007/2008, nasce a Dafra Motos, um projeto brasileiro do Grupo Itavema para produzir em escala na Zona Franca de Manaus e disputar mercado com portfólio amplo. A Dafra simboliza essa “segunda onda” da indústria local, já com consumidor exigente, rede em expansão e tendência de parcerias tecnológicas.
A moto vira companheira de trabalho e de vida. O crescimento das cidades, o custo dos carros e o trânsito adensado colocam as duas rodas como resposta lógica. Multiplicam-se oficinas independentes, clubes, encontros e um jornalismo especializado forte que educa o consumidor. Ao mesmo tempo, a produção local amadurece, as linhas se diversificam (street, trail, cub, scooters) e a ideia de revisão oficial + manutenção cotidiana vira hábito. É a base do que ainda vemos hoje: moto como ferramenta e como estilo.
A partir dos anos 2000, o mercado abre espaço para novas marcas e joint ventures. Em 2007/2008, nasce a Dafra Motos, um projeto brasileiro do Grupo Itavema para produzir em escala na Zona Franca de Manaus e disputar mercado com portfólio amplo. A Dafra simboliza essa “segunda onda” da indústria local, já com consumidor exigente, rede em expansão e tendência de parcerias tecnológicas.
Outra peça importante no mosaico recente é a Shineray do Brasil, que inaugurou fábrica em Pernambuco (Suape/Cabo de Santo Agostinho) em 2015 — a primeira planta fora da China e fora da Zona Franca de Manaus, focada em ciclomotores, scooters e, de forma crescente, modelos elétricos. Isso diversificou a geografia da produção e ampliou a oferta em faixas de preço sensíveis.
Com a economia aquecida em parte dos anos 2000/2010 e a demanda por deslocamento eficiente, o Brasil se consolidou como um dos maiores mercados de motos do planeta, com Manaus no centro da operação industrial e uma rede gigantesca de concessionárias e assistência que dá suporte ao uso diário e profissional.
Para entender nossa história, é bom lembrar: o Brasil viveu períodos longos de restrições e controles à importação que favoreceram a produção local e desenvolveram cadeias completas de suprimento aqui. Ao mesmo tempo, a realidade do bolso e a logística das cidades mantiveram a moto como alternativa de custo total de propriedade baixo e alta utilidade — trabalho, estudos, lazer, viagens curtas, tudo no mesmo veículo. Essas duas forças (política industrial + demanda cotidiana) explicam por que, por décadas, produzir aqui fez tanto sentido.
A evolução técnica acompanha cada capítulo dessa história. A CG “raiz” de carburador deu lugar a motores com injeção eletrônica, controles de emissões mais rígidos, ABS e CBS de série, iluminação LED, painéis digitais e conectividade. Scooters ganharam espaço pelo câmbio automático (CVT) e praticidade; as trails modernizaram suspensões e ergonomia; as streets ficaram mais econômicas. A soma é uma moto mais segura, mais eficiente e mais fácil de manter — resultado direto do que as fábricas fizeram aqui ao longo de quase 50 anos de produção contínua.
Com o mercado amadurecido, cresceram também clubes, encontros, provas e um ecossistema de conteúdo (revistas, blogs, canais) que educa, inspira e conecta pessoas. É um patrimônio cultural: do mototurismo nas serras a rotas clássicas no interior, dos grupos de scooteristas na cidade às trilhas de fim de semana. Essa cultura reforça o papel da moto como expressão pessoal e ferramenta de liberdade — sem perder a consciência de segurança e manutenção em dia.
Chegando ao presente, o movimento das clássicas modernas virou febre. A proposta é simples e irresistível: visual retrô, ergonomia acolhedora, farol redondo, tanque em gota, banco costurado — tudo isso com tecnologia atual (injeção, ABS, arrefecimento eficiente, LED, conectividade). É o melhor dos dois mundos: charme vintage, conforto e segurança de 2025.
Essa onda abriu espaço para marcas tradicionais do segmento de estilo clássico e também influenciou linhas retrô de montadoras generalistas. Resultado: mais oferta para quem quer personalidade sem abrir mão de uso diário. E isso conversa demais com a história brasileira — quem cresceu vendo CG “bolinha”, CB antigas, Lambrettas e Vespas na vizinhança naturalmente se encanta quando vê o visual voltar com mecânica moderna.
Voltar à Xispa é lembrar que nossa história não começou grande. Começou com coragem e vontade de fazer. A moto “meio lambretta, meio brasileira” é um lembrete de que inovação tem muitas caras: às vezes, ela está em criar do zero; outras, em adaptar com inteligência; e, muitas vezes, em produzir com qualidade para milhões de pessoas que dependem da moto todos os dias. É bonito ver que esse fio condutor nos trouxe até as clássicas modernas — máquinas que celebram a estética de antigamente, mas entregam a confiabilidade que conquistamos pelo caminho.
A tendência aponta para motos cada vez mais eficientes e seguras, com eletrônica a serviço do piloto (ABS evoluído, controle de tração onde faz sentido, modos de condução, conectividade com navegação simples), portfólios com versões elétricas nas faixas urbanas e serviços digitais que facilitam compra, manutenção e revenda. Fabricantes que inovarem sem perder de vista custo total de uso e capilaridade de pós-venda devem seguir fortes por aqui — porque no Brasil a moto é, ao mesmo tempo, ferramenta e paixão.
Do chanfrado da Xispa ao brilho LED das clássicas modernas, o Brasil construiu uma história própria, com sotaque, criatividade e escala industrial. A Zona Franca de Manaus virou sinônimo de produção, a CG se tornou personagem das cidades, novos fabricantes abriram caminhos, e o consumidor aprendeu a escolher com a cabeça e com o coração.
Seja para o trabalho, para cruzar a serra no fim de semana ou para aquela foto na praça com tanque vintage e jaqueta surrada, a moto no Brasil é parte da nossa vida. E a melhor notícia é que ela nunca esteve tão segura, eficiente e bonita como agora.
Fontes e referências consultadas: História da Honda no Brasil e marco de 1976/CG; 30 milhões de unidades produzidas; Zona Franca de Manaus; panorama dos anos 1970 com consolidação industrial; história da Xispa (Brumana & Pugliese); trajetória recente de Dafra e Shineray/Suape e presença de elétricos.
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